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ESCUTA AQUI
Rock brasileiro tem 500 anos de ruindade
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Colunista da Folha
Guitarra, baixo e bateria tiravam o sossego dos moradores de
uma rua pacata, estritamente residencial, atrás do parque Ibirapuera, São Paulo.
Achei que fosse uma nova banda ensaiando suas canções ainda
desconhecidas, mas o meu companheiro de caminhada notou
rápido: era um cover de "Ciúme",
do Ultraje a Rigor.
Aconteceu há dois sábados, em
meu último dia de uma temporada de duas semanas no Brasil.
Para quem não conhece São
Paulo, convém explicar. A vizinhança do Ibirapuera é só de bacanas. Algumas ruas, para o lado
do bairro da Vila Mariana, nem
prédios têm -só casas, que, se
não chegam a ser mansões, ficam
anos-luz acima do padrão médio
brasileiro.
Uma delas estava para alugar e,
só por curiosidade, perguntei ao
guarda da rua quanto o dono
queria: R$ 5 mil ("se chorar, ele
faz por R$ 4.200"), preço que seria assustador até nesta região da
Califórnia onde moro, uma das
mais caras dos EUA.
A "homenagem" ao Ultraje saía
como um tijolo sonoro do segundo andar da casa, e não poderia
ser diferente. Impossível imaginar rock de qualidade sendo produzido num ambiente tão estéril
e desinteressante quanto o da
classe média alta brasileira.
Quem tem a paciência de
acompanhar este espaço sabe que
"Escuta Aqui" não vive exatamente um caso de amor com o
rock brasileiro.
Entre tantos defeitos, esta coluna implica em especial com a permanente pavonada que move os
principais nomes no rock and
roll brazuca.
Simples artistas populares, alguns, talvez, até com certo mérito
pessoal, recebem tratamento de
divindades, e como tal se portam.
Dão "lições de vida", procuram
transmitir "ensinamentos" em
suas letras, repetem sílabas e sons
nos versos (imaginando que isso
seja "virtuosismo poético").
Vai aqui muito de sociologia de
beira de estrada, mas se notarmos qual a origem social dos tais
"grandes nomes" do rock e da
MPB, veremos que ela não difere
muito da dos políticos dos grandes centros, ou dos yuppies que
infestam uma cidade como São
Paulo.
Olhando para fora, podemos
tomar o contra-exemplo do americano Kurt Cobain, do Nirvana,
criado pela avó num trailer furreca; ou de Ian Curtis, do Joy Division, um proletário surgido da
proletária e decadente Manchester, Inglaterra.
Nesses países, é comum uma
mistura que praticamente não
existe no Brasil: pobreza com informação. Nem Cobain, nem
Curtis, nasceram em berço de ouro, o que não significava que não
tivessem acesso a quantidades
imensuráveis de revistas e discos.
No Brasil, sem chance. Gostar
de rock, formar uma banda,
comprar CDs e instrumentos...
Tudo isso exige muito mais grana, o que dá origem à grande praga do cenário pop nacional: o roqueiro-cabeça, aquele sujeito que
estudou em colégio "liberal" e foi
criado dentro do triângulo maconha-Caetano Veloso-casa na
praia. Não há como sair rock
bom daí.
Na verdade, os roqueiros brasileiros, filhos da elite retrógrada
que nos afunda há 500 anos, são
como legiões de Beck, o americano intelectualizado e filho de hippies, que tem exatamente o mesmo perfil de filhinhos-de-papai
como os Titãs, por exemplo (feita, claro, a ressalva de que dois
neurônios de Beck trazem mais
idéias do que os cérebros de todos os Titãs somados).
É por vivermos neste quadro
desolador de rock classe média/
descolado que uma banda como
os Racionais MCs, de São Paulo,
ganha tanta importância. Pela
primeira vez na história do pop
brasileiro, a voz da periferia vinha
acompanhada de uma quantidade gigantesca de informação musical.
O ritmo seco, a poesia sintética
e afiada, tudo isso parecia apontar para uma revolução de verdade e para a aposentadoria definitiva dessa gente "esperta" que
tanto poderia fazer rock como escrever roteiros para o "Castelo
Rá-Tim-Bum".
Infelizmente, os Racionais andam encolhidos, e as bandas que
os seguiram não passam de pálidas imitações.
Continuamos sob o jugo dos
sem-fibra, da yupparada paulistana e dos descolados da zona sul
carioca.
Neste mês de abril, vamos comemorar mais um aniversário:
500 anos de um tedioso Brasil
musical.
Para fugir da chatice do rádio
brasileiro, uma dica boa para
quem tem Internet. Uma das
melhores rádios universitárias
americanas, senão a melhor,
começou a transmitir ao vivo
também pela rede mundial de
computadores. Trata-se da
emissora da Universidade da
Califórnia em Berkeley. Anote:
www.kalx.berkeley.edu. O melhor horário é das 9h às 13h daqui (13h às 17h de Brasília).
cd player
"Trance State in Tongues", Zen Guerrilla
Por incrível que pareça, esta banda da
gravadora Sub Pop
surgiu como uma imitação do
Jon Spencer Blues Explosion,
mas hoje evoluiu para uma
improvável combinação de
punk (90%) e música negra
suingada (10%). Pauleira do
começo ao fim.
"Ecstasy", Lou Reed
Lou Reed já fez
muito pelo rock,
tanto no Velvet
Underground quanto em sua
carreira solo, mas há anos faz
uns disquinhos mais ou menos. Este é mais um deles: não
é ruim, mas espera-se muito
mais do sujeito.
"Escuta Aqui", Biquíni Cavadão
Talvez exista banda
pior que o Biquíni
Cavadão, mas é difícil. Para piorar, eles tiveram a
cara-de-pau de botar o nome
desta coluna em seu novo CD.
Johnny Cochran, que livrou
O.J. Simpson da cadeia, será
meu advogado neste processo
milionário.
Álvaro Pereira Júnior, 36, é jornalista e
mora em San Francisco. E-mail:
cby2k@uol.com.br.
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