São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 2006

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CINEMA

O Folhateen reuniu diretores que tratam de violência para saber que reflexão eles acreditam provocar entre os jovens

Entre o glamour e o medo

Divulgação
"Crianças Invisíveis" (em cartaz)


MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Filmes que desnudam tragédias sociais brasileiras, como o tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro ou a gravidez de adolescentes, andam pipocando nas telas dos cinemas. O Folhateen reuniu os diretores de alguns deles para comentar o impacto que esses retratos causam no público jovem. Será que eles efetivamente sugerem uma reflexão sobre a realidade brasileira? Ou a violência não seria apenas um atrativo sedutor para um produto do mercado de entretenimento?
No centro dessa discussão estão quatro longas. O tão falado documentário televisivo "Falcão - Meninos do Tráfico", do rapper MV Bill e de seu empresário, Celso Athayde, que chegará em outubro às telas grandes; "Pro Dia Nascer Feliz", de João Jardim, que ouve estudantes de três diferentes pontos do Brasil; "Crianças Invisíveis", projeto que reúne curtas-metragens sobre a situação de crianças espalhadas pelo mundo e que tem entre eles "João e Bilu", dirigido por Kátia Lund (de "Cidade de Deus" e "Notícias de uma Guerra Particular"), e, por fim, "Meninas", que será exibido a partir de maio e que acompanha a gravidez de adolescentes de comunidades de Rio de Janeiro.
Ainda persistente, Kátia Lund anda desacreditada quanto à capacidade de denúncia do cinema. "O tempo passa, a gente denuncia, só que nada muda. Mas eu não desisto. Eu faço cinema por isso", desabafa.
Sobre "Pro Dia Nascer Feliz", João Jardim diz: "Fiz o filme porque há uma perplexidade com uma situação que deveria ter sido diferente. Quis mostrar o quanto essa faixa etária, a dos adolescentes, está descuidada, na escola e em casa."
Para Sandra Werneck, os meninos mostrados em "Falcão" nascem no seu filme, "Meninas". "Elas engravidam. Depois, não têm como cuidar. A criança cresce sozinha, nas ruas, e é facilmente seduzida pelo tráfico. Fiz meu filme para chocar porque sabia que, se não fosse assim, ninguém prestaria atenção no que está acontecendo."

Chocar é preciso?
Kátia Lund discorda de que seja preciso chocar a platéia: "Isso tudo a gente já denunciou. Está na hora de mostrarmos bons exemplos que a sociedade civil e que as próprias comunidades estão organizando. Não quero chocar, mas pedir reflexão".
Segundo ela, cinema é diversão mas também deve ter função social, mesmo exibindo cenas de violência explícita, que causam tanto interesse, especialmente no público jovem. "Precisamos parar de investir em morte e investir em vida", comenta.
"Os filmes que gosto de ver e de fazer são os que entretêm, mas que deixam algo para digerir por um tempo. Uma reflexão a respeito do que ainda não perdemos e para onde vai a criatividade e a resistência das crianças quando somem as oportunidades que têm para crescer", diz Lund.
"Pro Dia Nascer Feliz" também tenta prender o espectador com situações extremas vividas dentro da escola. "Tentei trabalhar o filme como uma peça de entretenimento com conteúdo, reflexão. Ele é duro porque não tinha como não ser", conta Jardim, que pesquisou escolas e descobriu situações em que professores não têm controle sobre alunos por conta da violência.
Em "Meninas", Sandra enxerga famílias desestruturadas. "Se não trabalhar a família, não adianta investir milhões em educação", diz. No filme, uma adolescente de 13 anos se torna mãe e viúva em três meses, período entre o nascimento do filho e o assassinato do pai, um traficante da Rocinha.
"Acho que está mais do que na hora de nós, a sociedade, nos organizarmos para fazer trabalhos belíssimos como alguns que já são feitos", diz Werneck, que corre atrás de parcerias para exibir "Meninas" em ONGs, escolas públicas e espaços onde a população possa refletir sobre o tema da gravidez na adolescência.
Jardim diz que não quer que as pessoas saiam do cinema indignadas. "A indignação passa rápido. Prefiro que obtenham um conhecimento emocional sobre uma realidade do adolescente. Isso é muito mais poderoso porque nos leva a tomar decisões e ajuda a formar uma geração que se comportará de outra maneira em relação à escola, cobrando melhorias."


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