São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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TRABALHO

Adolescentes procuram bicos de Natal para conseguir independência financeira dos pais, mesmo que seja por um tempo

Férias de mangas arregaçadas

LEANDRO FORTINO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles não dobram nem mesmo uma camiseta em casa, mas se preparam para encarar, em plenas férias escolares, um mês de trabalho nas centenas de lojas que contratam extras para reforçar o quadro de vendedores nos dias que antecedem o Natal. Muitos tentam o primeiro emprego; outros já viveram a experiência. Mas o objetivo deles é muito parecido: conseguir uma certa independência financeira dos pais, mesmo que por apenas um mês, já que o lucro, em muitos casos, será revertido em roupas, viagens e baladas.
Especialistas divergem quanto à necessidade real de os jovens pegarem esses bicos de fim de ano.
Pedro Rafael Hagge, 17, estudante do 2º ano do ensino médio, tentará seu primeiro emprego. Deixou o currículo em vários shoppings para conseguir trabalho em lojas de surfe, skate e de brinquedos.
"Pretendo juntar uma grana para viajar e para gastar em roupas e em baladas. Não estou mais na idade de pedir dinheiro para minha mãe", conta Pedro, que não tem nenhuma experiência em vendas. "Não sei dobrar roupas nem fazer presentes, mas aprendo tudo rapidinho. Minha mãe falou que me ensina. O resto, a gente improvisa."
Maria Lúcia Alegrette Neves, 18, estudante do 1º semestre da faculdade de hotelaria, deixou currículo em lojas de roupas, brinquedos e cosméticos. Ela espera ganhar R$ 1.000. Com o dinheiro, pretende viajar mas também garantir seu futuro profissional, investindo em cursos de gastronomia, área em que quer focar sua carreira após se formar na faculdade.
"Quero ter meu dinheiro para não ter de pedir para meus pais. Não quero depender deles para fazer minhas coisas", conta Maria Lúcia. "Meus pais não exigem que eu pague nenhuma conta. A iniciativa é minha. Eles querem que eu estude. Se conseguir conciliar as duas coisas, melhor", diz.
Fábio Correia Olmos, 19, estudante do 3º ano do ensino médio, tenta seu primeiro emprego pois quer dividir com a mãe as despesas mensais da família. "Estou precisando trabalhar, para ajudar em casa. Principalmente na conta do telefone e, se sobrar, na mensalidade da escola. Busco a minha independência financeira. Está meio difícil arrumar algo em loja. Passei por entrevistas, mas eles selecionam superbem."
Para Lilian Santos de Castro, 17, estudante do 3º ano do ensino médio, encarar o primeiro mês de férias atrás de um balcão não é novidade. Ela já trabalhou nos últimos dois finais de ano. "Gasto tudo comigo, em viagens, roupas e acessórios." Apesar dos R$ 1.000 que espera fazer neste ano, ela não se sente independente. "Eles ainda pagam o que eu preciso. Meus pais acham legal, porque dou mais valor ao dinheiro. Além disso, gasto o meu dinheiro, e não o deles."
Amiga de Lilian, a estudante do 3º ano do ensino médio Bruna Bonfim de Lima, 17, trabalhou em evento de fim de ano de uma empresa, mas se decepcionou. "Achei que fosse um trabalho de recepcionista, então fui de salto e toda maquiada. Quando cheguei lá, era para servir o bufê para mais de mil pessoas. Recebi R$ 30 pelo dia de trabalho, mas furtaram minha carteira, com dinheiro e documentos. Saiu elas por elas."
Depois dessa, ela pretende apenas curtir as férias. "Achei que, com essa experiência, poderia arranjar outros empregos, mas desisti depois disso. Nunca mais me pega."
Para Daniela Tasca Dalprá, 19, a vida não é tão fácil assim. Ela cursava ciências biológicas, mas teve de trancar a faculdade por problemas financeiros. Tenta um emprego para pagar inscrições de vestibular ou voltar a estudar. Ela já trabalhou em loja de brinquedos. "Era uma correria, pois criança não fica sem presente no Natal", conta. "Hora de almoço muitas vezes eram dez minutos, quando dava", afirma Daniela.


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