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É preciso saber ouvir um não
Antônio Gaudério - 08.nov.2002/Folha Imagem
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A estudante Suzane von Richthofen, 19, acusada do assassinato dos pais |
JAIRO BOUER
COLUNISTA DA FOLHA
O assassinato do casal Richthofen monopolizou a atenção de São Paulo e do
país nas últimas semanas. Revolta, indignação e espanto foram as sensações de
quem ouviu toda a história. Por que será
que Suzane, a filha, acusada de ter planejado e participado do crime, foi até as últimas consequências? Será que ela conseguiu entender o "não" que seus pais vinham dizendo há alguns anos? Aliás, como é que todos nós lidamos com os
"nãos" que ouvimos dos nossos pais?
O motivo alegado por Suzane é que os
pais não aprovavam seu namoro com
Daniel. E ela estava disposta a levar essa
paixão até o fim. Seus desejos e seus planos foram contrariados. Pare e pense um
pouco! Quantas vezes seu pai e sua mãe
não aprovaram suas atitudes e suas decisões? Várias, eu aposto! Você sentiu raiva, ódio, tristeza, frustração e até mágoa.
Mas não foi por isso que você foi até a
primeira esquina, comprou uma barra
de ferro e os espancou. Não é assim que
se resolve um conflito. E todo mundo sabe bem disso!
Em qualquer conflito há, pelo menos,
dois interesses opostos ou duas opiniões
distintas em jogo. Toda vez que você está
em conflito, tem três saídas básicas: pode
enfrentar a outra opinião e decidir manter a sua (nem que seja preciso achar brechas para fazer valer suas vontades), pode negociar um meio termo, ou, ainda,
pode perceber que estava errado e ceder
em sua posição.
Vamos pensar em um exemplo corriqueiro. Uma garota de 18 namora um garoto de 19 há um tempão e decide que
quer iniciar sua vida sexual com ele. Os
pais, por convicções pessoais, não aprovam, e ela sabe bem disso. Um dia, ela inventa uma desculpa, some sem dar muita notícia e acaba ficando com o garoto.
Ou seja, ela seguiu em frente com seu
plano. Foi uma decisão dela. Mesmo em
desacordo com os pais, ela foi atrás do
que acreditava. Esse processo de descobrir os próprios caminhos e começar a
tomar as próprias decisões (que muitas
vezes são distintas das dos nossos pais) é
que fazem com que a gente amadureça,
ganhe independência e se torne adulto.
Mas percebam que a garota do exemplo não infringiu nenhuma regra, não fez
mal a ninguém e não causou danos à sociedade. Ela simplesmente tomou uma
decisão, apesar do limite, do "não" imposto pelos pais. Para se opor a um limite, a gente tem que antes aprender a ouvir os "nãos" e a pensar em como contorná-los. Enfrentar esse "não" mostra que,
pelo menos, a gente aprendeu a ouvir e a
entender o que o outro pensa. Ele existe,
e isso, no mínimo, demanda respeito.
Mas nem todo conflito exige que as
pessoas procurem brechas para contorná-lo. Alguns impasses são muito bem
resolvidos com uma negociação. Outro
exemplo: seus pais não querem que você
viaje com aquele amigo que acabou de tirar carta, mas você quer passar o final de
semana na praia de todo o jeito. E é lógico que ir no carro novinho dele seria bem
bacana. Mas não vai dar! De um lado,
seus pais liberam a viagem. Do outro, vocês vão ter de ir de ônibus ou com um
outro colega mais experiente ao volante.
Se cada um dos lados cede um pouco,
você pode não chegar exatamente à solução ideal para você, mas, de qualquer
maneira, você conseguiu parte do que
queria. Aprendeu a negociar.
Esse aprendizado mostra amadurecimento e dá mais poder e habilidade para
você nas próximas tentativas. Nesse caso, você também entendeu o que é lidar
com um limite.
E ainda resta uma última alternativa,
que acontece quando você percebe que
sua posição se enfraqueceu e que não
tem argumentos para sustentá-la. Em resumo, você está errado.
Por exemplo, você quer mudar de colégio e seus pais são totalmente contra. No
meio do caminho, você descobre que a
nova escola é péssima. O que fazer? É
melhor voltar atrás, concordar com seus
pais e fazer a matrícula no velho colégio
ou ficar bancando o durão e insistir na
transferência? Voltar atrás pode ser uma
prova de que você aprendeu a enxergar
seus erros, abriu mão de suas convicções
e admitiu que o outro estava certo. Com
isso, você pode ganhar pontos com seus
pais. Eles percebem que você sabe ceder
e podem até afrouxar alguns limites.
Não há segredo. Desde que o mundo é
mundo, o jovem quer conquistar seu espaço e tomar conta da sua vida. Na sua
frente, encontra pais que impõem valores, hábitos e limites. E só se cresce de
verdade quando se aprende a enfrentar
conflitos, ora descobrindo brechas e indo em frente, ora negociando, ora cedendo. É assim que se caminha.
Quem se recusa a ouvir os "nãos", atropelando todos os limites que vê pela
frente, como fizeram Suzane, Daniel e
Cristian, não consegue viver em família
nem em sociedade.
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