São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 2002

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É preciso saber ouvir um não

Antônio Gaudério - 08.nov.2002/Folha Imagem
A estudante Suzane von Richthofen, 19, acusada do assassinato dos pais


JAIRO BOUER
COLUNISTA DA FOLHA

O assassinato do casal Richthofen monopolizou a atenção de São Paulo e do país nas últimas semanas. Revolta, indignação e espanto foram as sensações de quem ouviu toda a história. Por que será que Suzane, a filha, acusada de ter planejado e participado do crime, foi até as últimas consequências? Será que ela conseguiu entender o "não" que seus pais vinham dizendo há alguns anos? Aliás, como é que todos nós lidamos com os "nãos" que ouvimos dos nossos pais?
O motivo alegado por Suzane é que os pais não aprovavam seu namoro com Daniel. E ela estava disposta a levar essa paixão até o fim. Seus desejos e seus planos foram contrariados. Pare e pense um pouco! Quantas vezes seu pai e sua mãe não aprovaram suas atitudes e suas decisões? Várias, eu aposto! Você sentiu raiva, ódio, tristeza, frustração e até mágoa. Mas não foi por isso que você foi até a primeira esquina, comprou uma barra de ferro e os espancou. Não é assim que se resolve um conflito. E todo mundo sabe bem disso!
Em qualquer conflito há, pelo menos, dois interesses opostos ou duas opiniões distintas em jogo. Toda vez que você está em conflito, tem três saídas básicas: pode enfrentar a outra opinião e decidir manter a sua (nem que seja preciso achar brechas para fazer valer suas vontades), pode negociar um meio termo, ou, ainda, pode perceber que estava errado e ceder em sua posição.
Vamos pensar em um exemplo corriqueiro. Uma garota de 18 namora um garoto de 19 há um tempão e decide que quer iniciar sua vida sexual com ele. Os pais, por convicções pessoais, não aprovam, e ela sabe bem disso. Um dia, ela inventa uma desculpa, some sem dar muita notícia e acaba ficando com o garoto. Ou seja, ela seguiu em frente com seu plano. Foi uma decisão dela. Mesmo em desacordo com os pais, ela foi atrás do que acreditava. Esse processo de descobrir os próprios caminhos e começar a tomar as próprias decisões (que muitas vezes são distintas das dos nossos pais) é que fazem com que a gente amadureça, ganhe independência e se torne adulto.
Mas percebam que a garota do exemplo não infringiu nenhuma regra, não fez mal a ninguém e não causou danos à sociedade. Ela simplesmente tomou uma decisão, apesar do limite, do "não" imposto pelos pais. Para se opor a um limite, a gente tem que antes aprender a ouvir os "nãos" e a pensar em como contorná-los. Enfrentar esse "não" mostra que, pelo menos, a gente aprendeu a ouvir e a entender o que o outro pensa. Ele existe, e isso, no mínimo, demanda respeito.
Mas nem todo conflito exige que as pessoas procurem brechas para contorná-lo. Alguns impasses são muito bem resolvidos com uma negociação. Outro exemplo: seus pais não querem que você viaje com aquele amigo que acabou de tirar carta, mas você quer passar o final de semana na praia de todo o jeito. E é lógico que ir no carro novinho dele seria bem bacana. Mas não vai dar! De um lado, seus pais liberam a viagem. Do outro, vocês vão ter de ir de ônibus ou com um outro colega mais experiente ao volante. Se cada um dos lados cede um pouco, você pode não chegar exatamente à solução ideal para você, mas, de qualquer maneira, você conseguiu parte do que queria. Aprendeu a negociar.
Esse aprendizado mostra amadurecimento e dá mais poder e habilidade para você nas próximas tentativas. Nesse caso, você também entendeu o que é lidar com um limite.
E ainda resta uma última alternativa, que acontece quando você percebe que sua posição se enfraqueceu e que não tem argumentos para sustentá-la. Em resumo, você está errado.
Por exemplo, você quer mudar de colégio e seus pais são totalmente contra. No meio do caminho, você descobre que a nova escola é péssima. O que fazer? É melhor voltar atrás, concordar com seus pais e fazer a matrícula no velho colégio ou ficar bancando o durão e insistir na transferência? Voltar atrás pode ser uma prova de que você aprendeu a enxergar seus erros, abriu mão de suas convicções e admitiu que o outro estava certo. Com isso, você pode ganhar pontos com seus pais. Eles percebem que você sabe ceder e podem até afrouxar alguns limites.
Não há segredo. Desde que o mundo é mundo, o jovem quer conquistar seu espaço e tomar conta da sua vida. Na sua frente, encontra pais que impõem valores, hábitos e limites. E só se cresce de verdade quando se aprende a enfrentar conflitos, ora descobrindo brechas e indo em frente, ora negociando, ora cedendo. É assim que se caminha.
Quem se recusa a ouvir os "nãos", atropelando todos os limites que vê pela frente, como fizeram Suzane, Daniel e Cristian, não consegue viver em família nem em sociedade.



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