São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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MÚSICA

Ainda sem data para sair aqui, novo CD de Morrissey traz o ex-líder dos Smiths mais iluminado

Admirável torturador

Ethan Miller/Reuters - 17.abr.04
Morrissey em Las Vegas, na turnê do seu disco anterior, "You Are the Quarry"


RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

As letras ainda são o melhor travesseiro para quem acha que o mundo é um lugar hostil e injusto. Até aí, nada de novo. Tampouco é novidade o fato de que Morrissey, ex-líder dos Smiths, é um mestre nesse assunto. Só que o novo CD do artista, "Ringleader of the Tormentors" ("o líder dos torturadores"), que acaba de ser lançado na Europa mas ainda não tem previsão para sair por aqui, surpreende até os seus fãs mais devotos.
Gravado em Roma, onde o cantor mora há pouco mais de um ano, parece contaminado pela "dolce vita" italiana. Aqui, Morrissey fala abertamente de sexo, como nunca falou. O tradicional romantismo continua, mas agora parece correspondido. Para completar, uma produção criativa e épica dá arranjos e musicalidade à altura de sua verve, algo que nem sempre acontecia em seus discos solo anteriores.
Morrissey é raridade no rock. Leu muito na vida e faz letras ambíguas. Já no novo CD, ele defende que sua castidade é coisa do passado. Os pronomes são reveladores de que o cantor não precisa mais esconder sua homossexualidade. Apaixonado, ele canta em "To Me You Are a Work of Art": "Para mim, você é uma obra de arte/ e te entrego meu coração, se é que tenho um".
Isso não quer dizer que Morrissey tenha capitulado à geração Paris Hilton, de celebridades que são famosas sem jamais terem feito uma coisa útil na vida. Parte do charme e da vigência do artista, que completa 47 anos no mês que vem, vem do seu mistério. Um divo enigmático, solitário, que dá poucas entrevistas e, quando o faz, embaralha ainda mais os fãs -como os artistas de antigamente, que exercitavam nossa imaginação com dúvidas.
Apesar de mais luminoso que o habitual, Morrissey continua oferecendo canções "torturadas" para quem está sofrendo sozinho em seu quarto. "Life Is a Pigsty" ("a vida é um chiqueiro") traz o cantor naquele momento de sofrimento agudo do qual os fãs tanto gostam -não à toa, ele costuma ser agarrado no palco pelos mais exaltados que o abraçam, na linha: "Eu te entendo".
A roqueira "The Youngest Was the Most Loved" é firme candidata a animar muitas festas de quem gosta de se vestir de preto. E vai agradar até aos mais saudosistas fãs dos Smiths. O cérebro da banda mais influente dos últimos 25 anos e que marcou os anos 80 está em sua melhor forma. Como torturadores ou torturados, queremos continuar subjugados a ele por muito tempo.


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