São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006

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POLÍTICA

Coletivos promovem debates para divulgar anarquismo; para cientista político, fenômeno reflete crise de representação política mundial

Contra o sistema

LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles defendem o fim do Estado e das relações de poder e acreditam que a liberdade está acima de tudo. Utopia para uns, o anarquismo está virando coisa séria para outros. Inspirados por autores do século 19, como Mikhail Bakunin e Pierre Joseph Proudhon, jovens estão montando grupos para estudar e divulgar as idéias anarquistas.
Formados em sua maioria por universitários, os chamados coletivos anarquistas estão espalhados por vários Estados brasileiros, do Rio Grande do Sul à Bahia. Eles se dizem apartidários e se organizam de forma "horizontal", sem nenhuma hierarquia.
Apesar de terem em comum a identificação com os conceitos anarquistas, cada grupo tem uma atuação diferente.
Alguns priorizam a divulgação teórica, criam e distribuem fanzines, organizam palestras e grupos de estudos. Outros preferem ir para as ruas, fazer teatro ou assistir à shows de rock.
A porta de entrada é freqüentemente o movimento punk. Foi por intermédio de amigos anarcopunks que a estudante Paula Rebellato, 17, conheceu e começou a se interessar pelo anarquismo.
Agora, ela está formando o coletivo Grupo V com a amiga Raísa Guimarães, 18, um grupo teatral para fazer performances na cidade com mensagens anarquistas. "O objetivo é chocar e quebrar a rotina. Por exemplo, podemos entrar num bar, como se a gente não se conhecesse, e começar uma discussão cultural, para as pessoas pensarem", conta Paula.
Thomaz dos Santos, 19, estudante de jornalismo, também é adepto das intervenções urbanas. Ele participa do coletivo Time A, que faz stêncil e prega lambe-lambes pela cidade. As mensagens são críticas ao que chamam de "TV alienante" e sátiras ao consumismo -em um cartaz, há o desenho de uma pessoa jogando logotipos do McDonalds e da Nike na cabeça de outra, que tem forma de vaso sanitário.
Rodrigo Taveira, 21, não participa de coletivo, mas montou uma banda, a Força Ingovernável. Eles se dizem anarquistas e escrevem letras com títulos como "A Castidade do Casamento" e "Greve Geral".
Os shows acontecem nos chamados "gigs" punks, eventos realizados em pequenos bares ou garagens da periferia, com música, poesia, teatro e troca de informativos. "Antes de começar uma música, a gente lança uma idéia sobre contracultura ou sobre política. A gente defende o voto nulo", diz Rodrigo.
A defesa do voto nulo é comum nos coletivos anarquistas, mas não é uma unanimidade. "Acho um contra-senso fazer campanha pelo voto nulo, porque é uma maneira de participar desse jogo político estabelecido", critica Gustavo Ferreira Simões, 20, aluno de ciências sociais, que integra o Nu-Sol, grupo de estudos sobre o anarquismo de alunos e professores da PUC.
Sobre a atual crise política brasileira, eles dizem que já esperavam essa situação. "O problema não é quem está no Estado. O problema é o Estado e não só o capitalismo. O Estado existe para dominar as pessoas", defende Cintia Juliana, 21, do coletivo Estação Libertária.

Organização nacional
Avessos à imprensa, muitos integrantes de coletivos preferiram não dar entrevistas para a reportagem do Folhateen, temendo que seus ideais fossem "indevidamente apropriados pelo sistema".
Mas, para divulgar o trabalho e as idéias, eles não dispensam a internet. Na rede, é possível encontrar, por exemplo, a carta de intenções do Fórum do Anarquismo Organizado, o FAO, assinada por nove coletivos de diferentes Estados do país.
Escrito em setembro do ano passado, o documento propõe, em nove páginas, estratégias para a criação de uma "verdadeira organização anarquista no Brasil".
"O anarquismo está muito solto hoje, sem força política. Com uma organização nacional podemos ser uma alternativa ao que está presente", diz Carolina, (ela preferiu não dizer o sobrenome), 21, aluna de ciências sociais, que integra o coletivo Pró Organização Anarquista de Goiás, um dos que assinam a carta de intenções do FAO.
Carolina, que também conheceu o anarquismo através do movimento punk, fundou o grupo no ano passado com mais 11 amigos. "Eu não conseguia entender a miséria, esse sistema em que o ser humano é controlado. Percebi que o anarquismo era a única solução cabível hoje", comenta.
Para Francisco Foot Hardman, professor titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, o crescente interesse dos jovens pelo anarquismo -movimento criado na Europa, no século 19, e que prega o fim do Estado- é decorrência de uma crise de representação política mundial.


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