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POLÍTICA
Coletivos promovem debates para divulgar anarquismo; para cientista político, fenômeno reflete crise de representação política mundial
Contra o sistema
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Eles defendem o fim do Estado e das
relações de poder e acreditam que a
liberdade está acima de tudo. Utopia para uns, o anarquismo está virando
coisa séria para outros. Inspirados por autores do século 19, como Mikhail Bakunin e
Pierre Joseph Proudhon, jovens estão
montando grupos para estudar e divulgar
as idéias anarquistas.
Formados em sua maioria por universitários, os chamados coletivos anarquistas
estão espalhados por vários Estados brasileiros, do Rio Grande do Sul à Bahia. Eles se
dizem apartidários e se organizam de forma "horizontal", sem nenhuma hierarquia.
Apesar de terem em comum a identificação com os conceitos anarquistas, cada
grupo tem uma atuação diferente.
Alguns priorizam a divulgação teórica,
criam e distribuem fanzines, organizam
palestras e grupos de estudos. Outros preferem ir para as ruas, fazer teatro ou assistir
à shows de rock.
A porta de entrada é freqüentemente o
movimento punk. Foi por intermédio de
amigos anarcopunks que a estudante Paula
Rebellato, 17, conheceu e começou a se interessar pelo anarquismo.
Agora, ela está formando o coletivo Grupo V com a amiga Raísa Guimarães, 18, um
grupo teatral para fazer performances na
cidade com mensagens anarquistas. "O objetivo é chocar e quebrar a rotina. Por
exemplo, podemos entrar num bar, como
se a gente não se conhecesse, e começar
uma discussão cultural, para as pessoas
pensarem", conta Paula.
Thomaz dos Santos, 19, estudante de jornalismo, também é adepto das intervenções urbanas. Ele participa do coletivo Time A, que faz stêncil e prega lambe-lambes
pela cidade. As mensagens são críticas ao
que chamam de "TV alienante" e sátiras ao
consumismo -em um cartaz, há o desenho de uma pessoa jogando logotipos do
McDonalds e da Nike na cabeça de outra,
que tem forma de vaso sanitário.
Rodrigo Taveira, 21, não participa de coletivo, mas montou uma banda, a Força Ingovernável. Eles se dizem anarquistas e escrevem letras com títulos como "A Castidade do Casamento" e "Greve Geral".
Os shows acontecem nos chamados
"gigs" punks, eventos realizados em pequenos bares ou garagens da periferia, com
música, poesia, teatro e troca de informativos. "Antes de começar uma música, a gente lança uma idéia sobre contracultura ou
sobre política. A gente defende o voto nulo", diz Rodrigo.
A defesa do voto nulo é comum nos coletivos anarquistas, mas não é uma unanimidade. "Acho um contra-senso fazer campanha pelo voto nulo, porque é uma maneira
de participar desse jogo político estabelecido", critica Gustavo Ferreira Simões, 20,
aluno de ciências sociais, que integra o Nu-Sol, grupo de estudos sobre o anarquismo
de alunos e professores da PUC.
Sobre a atual crise política brasileira, eles
dizem que já esperavam essa situação. "O
problema não é quem está no Estado. O
problema é o Estado e não só o capitalismo.
O Estado existe para dominar as pessoas",
defende Cintia Juliana, 21, do coletivo Estação Libertária.
Organização nacional
Avessos à imprensa, muitos integrantes
de coletivos preferiram não dar entrevistas
para a reportagem do Folhateen, temendo
que seus ideais fossem "indevidamente
apropriados pelo sistema".
Mas, para divulgar o trabalho e as idéias,
eles não dispensam a internet. Na rede, é
possível encontrar, por exemplo, a carta de
intenções do Fórum do Anarquismo Organizado, o FAO, assinada por nove coletivos
de diferentes Estados do país.
Escrito em setembro do ano passado, o
documento propõe, em nove páginas, estratégias para a criação de uma "verdadeira
organização anarquista no Brasil".
"O anarquismo está muito solto hoje,
sem força política. Com uma organização
nacional podemos ser uma alternativa ao
que está presente", diz Carolina, (ela preferiu não dizer o sobrenome), 21, aluna de
ciências sociais, que integra o coletivo Pró
Organização Anarquista de Goiás, um dos
que assinam a carta de intenções do FAO.
Carolina, que também conheceu o anarquismo através do movimento punk, fundou o grupo no ano passado com mais 11
amigos. "Eu não conseguia entender a miséria, esse sistema em que o ser humano é
controlado. Percebi que o anarquismo era
a única solução cabível hoje", comenta.
Para Francisco Foot Hardman, professor
titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, o crescente interesse dos
jovens pelo anarquismo -movimento
criado na Europa, no século 19, e que prega
o fim do Estado- é decorrência de uma
crise de representação política mundial.
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