São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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O som glacial de uma Nova York que já viu tudo

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA

A batida psicodélica lembra os Beatles do álbum "Revolver", mas a letra é muito mais sofrida, falando de alguém que já ouviu de tudo, sente pena e não se importa mais: "That's OK, OK, OK...".
É um som amplo, definido por espaços, esculpido com segurança. Não se trata, é certo, de uma banda aflita em busca das últimas novidades. Estamos em terreno sólido, autodeterminado, de estetas tomados de razão. Aqui, o que se convencionou chamar de rock and roll ganha outro nome, de apenas quatro letras: arte.
A canção se chama "Revenge Wears no Wristwatch", tem gosto de século 21 e combina influências de maneira tão brutalmente explosiva que o melhor adjetivo para defini-la é mesmo "moderna". O nome da banda é Walkmen. Ela faz parte da novíssima cena de Nova York, que tantos olhos atrai hoje em dia.
Mais do que outros contemporâneos/conterrâneos seus, como Strokes e Yeah Yeah Yeahs, os Walkmen derramaram sangue pelo labirintos do rock independente, que quase nunca levam ao sucesso. Três de seus componentes vieram do grupo Jonathan Fire*Eater, que havia sido escalado, em um contrato milionário com a Dreamworks, como o grande sucesso "indie" do final dos anos 90. Assim como havia acontecido anos antes com outro grupo independente de sólida reputação, o Girls Against Boys, o fracasso foi avassalador.
Dos escombros do "big business", no entanto, obteve-se algum dinheiro e, com ele, foi construído um estúdio no Harlem, encomendado em cada detalhe pelos ex-Jonathan Fire*Eater, agora Walkmen.
Resultou em um som metálico, glacial, nascido no exato ponto em que o Joy Division se transformou em New Order, como já definiu um crítico americano. No site oficial (www.marcata.net), os cinco walkmen listam como suas influências principais: Bruce Springsteen, Randy Newman, Pogues, Cure, Bjork, Smiths, Neil Young, John Lennon e, claro, Joy Division.
A imprensa de língua inglesa se desdobra para tentar classificar os Walkmen. O próprio Joy Division, o Radiohead, e até concertos para piano de Chopin já foram evocados. Eu acrescentaria mais um nome: Mercury Rev. Referências que atestam a qualidade imponente do que fazem os Walkmen.
"Revenge Wears no Wristwatch", a canção que motivou este texto, chegou a meu computador via Audiogalaxy, o sistema de troca de música on-line fuzilado pela associação das grandes gravadoras americanas na semana passada. Eu estava baixando outras faixas quando o sistema foi tirado do ar.
Aguardamos com ansiedade a chegada de alternativas com a mesma eficácia do AG. Assim como um mau negócio com a Dreamworks não derrubou os músicos do Jonathan Fire*Eater, a sanha das grandes gravadoras não vai matar a troca de arquivos pela internet. Em ambos os casos, o amor pela música prevaleceu. Que seja sempre assim.


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