São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

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Alimentação malfeita faz adolescentes entrarem para grupo de risco nutricional

Comer para viver

Ciete Silvério/Folha Imagem
Claudia Somekh, 15, devora um hambúrguer com carne de soja


ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma fase em que ninguém põe muita fé no que os pais vivem falando, aquela história de que é preciso comer mais frutas e verduras parece conversinha para boi dormir. Também quando se trata do que entra pela boca, a adolescência é a era dos extremos: os meninos se entopem de junk food; as meninas deixam de comer para tentar ficar com o corpo de Gisele Bündchen.
Sem controle, acham que nada de mal pode acontecer a eles e que a saúde vai durar para sempre. Além disso, a sobrecarga de atividades, como escola, cursos de idioma, esportes, cursinho etc., dificulta mesmo a vida: quem tem tempo para sentar-se à mesa e fazer uma refeição completa todos os dias?
"Fast food é bom quando se está com pressa. Nada substitui uma refeição", diz o estudante Leonardo Lontro de Carvalho, 18, exceção no universo teen, em que sanduíche e batata frita reinam absolutos.
Não é à toa que os adolescentes são considerados um grupo de risco nutricional, ou seja, costumam estar defasados em relação às suas necessidades diárias de energia, ferro, vitaminas, carboidratos e proteínas, que aumentam nessa fase por causa das mudanças no corpo.
"A adolescência é aquela época de rebeldia geral, que se reflete também na alimentação. Eles começam a comer fora com os amigos em redes de fast food, na barraquinha de cachorro-quente da esquina, até como forma de identificação com o grupo, e acabam diminuindo a quantidade de proteína na alimentação e aumentando só a caloria e as gorduras. É uma espécie de rebeldia alimentar", diz Jocelen Mastrodi Salgado, professora de nutrição da Esalq-USP, que está lançando o livro "A Alimentação que Previne Doenças - do Pré-Escolar à Adolescência" (ed. Madras).
A estudante Julia Veiga Oliveira, 17, diz que adora junk food. "Nunca comi salada, vomitava quando comia brócolis, detesto fruta. Quando eu tinha 14 anos e engordei, fiz um regime e perdi sete quilos. Aí uma hora desencanei e pensei: "Isso não é vida". Mas com certeza um dia isso pode mudar", reflete.
De acordo com Jocelen, não é preciso radicalizar: ninguém tem de deixar de lado o velho e bom hambúrguer e só comer coisas verdes. "Eu não sou contra lanches. Mas, em vez de comer um "dogão", por que não um sanduíche nutritivo?", pergunta.
A questão é: comer bem não deve ser uma obrigação, muito menos um favor para os pais, e sim um investimento no futuro do corpo. Pesquisas mostram que vários tipos de alimento não só não fazem mal como previnem doenças. São os chamados alimentos funcionais, assunto para muitos estudos.
Exemplos: quem come peixe três vezes por semana reduz o risco de sofrer doenças cardiovasculares; azeite e alguns tipos de óleo e de margarina ajudam a reduzir o mau colesterol; a soja é rica em isoflavona, que auxilia na prevenção de osteoporose e de câncer de mama e de útero; brócolis, couve e tomate também atuam na prevenção de alguns tipos de câncer.
Além disso, há várias dicas fáceis que ajudam a melhorar a qualidade dos alimentos ingeridos, como retirar a pele das aves, a gordura das carnes e não usar saleiro à mesa, pois o sal retém líqüidos e favorece a hipertensão.
É difícil, mas procure tomar líqüidos uma hora antes ou uma hora depois das refeições: isso evita barriga, segundo a professora. Prefira suco a refrigerante: as bebidas gaseificadas alteram o metabolismo do cálcio, diminuindo o seu aproveitamento pelo organismo, podendo levar à osteoporose no futuro.
E não despreze o arroz com feijão de casa: essa é uma combinação perfeita, pois cada um contém tipos de proteína que não estão presentes no outro.
Para ter uma alimentação equilibrada, mesmo que seja preciso substituir a refeição por um lanche, lembre-se de que não podem faltar no prato alimentos compostos por carboidratos (pães, torradas ou biscoitos), proteínas (leite, queijo ou iogurte) e vitaminas e minerais (frutas e vegetais). O ideal é fazer de cinco a seis refeições por dia.

Obesidade
A preocupação com a alimentação também é importante para prevenir a obesidade, hoje considerada uma epidemia mundial, inclusive entre adolescentes. O excesso de gordura é uma das causas de doenças como arteriosclerose, hipertensão e diabetes.
Segundo a professora Jocelen, a incidência de câncer de próstata, mama e útero é 35% maior em obesos. E apenas 2% dos casos de obesidade se devem a algum problema de saúde: o restante é por vida sedentária e alimentação errada mesmo.
A quantidade de jovens em busca de uma reeducação alimentar é tão grande que os Vigilantes do Peso criaram há três anos reuniões exclusivas para eles, diz Olinda Fernandes, a gerente nacional do grupo.
A campanha contra a obesidade levou a Kraft, segunda maior empresa do setor alimentício do mundo, a anunciar no ano passado várias medidas, como a redução do tamanho das porções e a suspensão de ações de marketing em escolas. Já a rede Burger King está vendendo hambúrguer sem pão, e o McDonald's do Brasil incorporou definitivamente ao seu cardápio as saladas, que agora são servidas em uma porção mais generosa.
A estudante Paola Riccó, 12, costuma comer pelo menos duas vezes por semana em fast foods. "Depois, eu me sinto uma baleia. Queria perder uns cinco quilos", exagera Paola, que é magrinha como as amigas Julia Busch, 13, e Amanda Nogueira, 12.
Julia, por sua vez, resolveu há uma semana se preocupar com a alimentação. "Comecei a comer salada no almoço e parei de tomar refrigerante. Eu só comia porcaria", conta.
Já Amanda diz que só come salada porque a mãe "fica pegando no pé". "O que eu mais gosto mesmo é de batata frita."
A pressão social pela magreza vem provocando o aumento no número de adolescentes sofrendo de anorexia e bulimia. Uma pesquisa recente do Núcleo de Tratamento de Transtornos Alimentares e Obesidade da Santa Casa do Rio mostrou que 75% dos estudantes cariocas entrevistados não estão satisfeitos com o próprio corpo.
"Você é o que você come. Quando a gente está doente, a primeira coisa que o médico faz é pedir um exame de sangue. Está tudo lá, circulando nas veias", lembra a professora.



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