São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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PASSEIO

Formatura na praia vira dor de cabeça para pais, filhos e educadores

Viagem ideal para quem?

ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

O ano está acabando. Para quem está no fim do ensino médio, além da tensão natural com o vestibular, esse também é um tempo de aproveitar a oportunidade de passar mais um tempo com os amigos, namorar aquela pessoa em quem está de olho, ou, simplesmente, pegar um sol antes de o verão começar.
Já é tradição em muitos colégios de São Paulo que alunos de 3º ano promovam uma viagem de confraternização na "semana do saco cheio", a do feriado de 12 de outubro. E o local preferido para o passeio é a ensolarada Porto Seguro, na Bahia.
De uns tempos para cá, porém, uma polêmica a respeito dessas viagens se instalou nas famílias e nas escolas. O motivo é a preocupação de pais e educadores com os excessos -com relação a drogas, álcool e sexo- que alguns estudantes cometem quando estão longe de casa.
Na maioria dos casos, os pais costumam dizer "não" para o passeio num primeiro momento. Mas acabam convencidos, depois de muito negociar com os filhos.
Já no caso das escolas, o jogo é mais duro. A maioria dos colégios de São Paulo ouvidos pelo Folhateen não organiza as viagens nem se responsabiliza por elas. Algumas ainda oferecem passeios alternativos, geralmente com propostas educativas.
A ida a Porto Seguro é, por isso, organizada por agências de turismo, algumas delas especializadas apenas nesse tipo de viagem. Essas empresas negociam os pacotes diretamente com representantes de grupos de estudantes. Chegam a fazer, inclusive, propaganda corpo a corpo de seus serviços na porta das escolas, no horário de saída dos alunos.

Álcool e drogas
Em geral, as histórias de quem foi são parecidas. Carolina*, 18, conta que o uso de drogas é comum e que o consumo de álcool chega a ser estimulado por meio de músicas que falam de bebida. "Todos que vão a Porto Seguro tem a intenção de beber o dia inteiro e beijar bastante."
Já Vitor*, 18, disse que "as pessoas liberam total, transam na praia, na balada, em todo lugar."
Os grupos são acompanhados por monitores das próprias empresas. Mas isso, nem sempre, é garantia de controle de abusos. "Os monitores não impedem nada. São jovens e deixam todo mundo fazer o que quiser", diz Vitor.
Lucas*, 18, fez um relato bem mais tranqüilizador. "O pessoal faz uma imagem distorcida do que acontece", diz. O estudante, que foi com a namorada, considera a viagem a melhor que já fez na vida. "Não importa se você está solteiro, casado, viúvo, é diversão garantida", diz.
De tanto ouvir as histórias de quem já foi a Porto Seguro, o estudante Caio*, 17, espera a viagem desde a 8ª série. Ele chegou até a acabar o namoro para viajar livre. "Todo mundo vai com a intenção de beijar. Eu estou animado para isso. Todo mundo fala que é a melhor semana da vida", diz.
A mãe de Caio conta que, quando o assunto surgiu, não quis deixar o filho viajar, mas logo não resistiu à idéia. Apesar de apreensiva, diz apostar na "confiança".
A amizade com a mãe fez com que a estudante Júlia*, 17, fosse liberada para a viagem. A advogada Cristina*, 44, disse que a filha conta tudo para ela. "Quando soubemos que a escola não se responsabilizaria, meu marido ficou preocupado, mas achei que tínhamos que ceder", conta.
Júlia diz que, como aliado, tem seu jeito "caretinha". "Sou certinha. Minha vontade de ir pra lá não é para beber, fumar, transar. Eu quero ir por ser uma viagem de formatura, pelo axé, pelas amigas e pela viagem de avião, minha primeira."
Já Ana*, 17, aceitou a proposta do pai de não ir em troca de ganhar um carro.

Segurança
As empresas que organizam a viagem não vêem motivos para preocupação e afirmam que tomam os cuidados suficientes para evitar os excessos.
A Forma Turismo, uma das maiores do segmento, deve levar 14 mil alunos neste ano a cidade-paraíso dos adolescentes.
Para cuidar dos jovens em Porto Seguro, a empresa aposta em um monitor -estudantes de educação física e turismo treinados- para cada 20 alunos, em um coordenador para cada 200 adolescentes para assuntos mais graves, em seguranças e em pulseiras com código de barras.
"Os monitores são treinados para coibir qualquer ação considerada inadequada para o ambiente da viagem. Não existe, em hipótese alguma, conivência deles", afirma Rogério Drummond, sócio-diretor da empresa. Ele contou ainda que, no ano passado, teve de voltar a São Paulo no dia seguinte ao início da excursão, com um grupo de sete adolescentes pegos com drogas. "A gente não tem nenhuma tolerância."
Com uma estrutura semelhante à da Forma, a School Viagens deve levar 3.000 alunos até dezembro para Porto Seguro. Segundo Enrico Esichiel, um dos diretores da agência, Florianópolis é a segunda opção, "porque tem praia e saídas noturnas".
Luiz Ferreira, proprietário da Cia. Lazer, que atua na área há 14 anos, diz que "quase 100% dos alunos querem ir para Porto Seguro mesmo". Contudo, ele aponta novos destinos na lista de formandos, como Florianópolis, Fortaleza e Bonito.

Acre ou Porto Seguro?
Os colégios reagem de maneira variada. Muitos, como o Dante Alighieri e o Objetivo, não incentivam as viagens nem liberam as faltas. Outros, como o Santa Cruz, mandam cartas aos pais, dizendo que não se responsabilizam pelo passeio.
E há também escolas que oferecem outras opções de roteiro. Entre elas estão as do método alemão Waldorf Micael e Rudolf Steiner. Na primeira, os 16 formandos da escola visitaram, em agosto, um assentamento do MST, na cidade de Sumaré (a 120 km de São Paulo).
"É uma viagem educativa, que faz parte do currículo. Não tem caráter de farra de formatura", conta Rosa Maria Prado Ferrari, tutora dos formandos.
Já a Escola Waldorf Rudolf Steiner deve levar a grande maioria de seus 60 formandos para o Acre. O objetivo do colégio é fazer uma viagem educativa para uma reserva extrativista do Estado. O Colégio Pentágono faz parte do grupo de escolas que organizam a viagem com destino a Porto Seguro. O professor Wanderley Camacho Dias de Moraes, coordenador de esportes e eventos da escola, realiza viagens para a cidade há 23 anos e diz que nunca teve grandes problemas. "Nessa idade os adolescentes pensam muito em bebida, mas temos uma conversa muito legal antes e durante a viagem. Há orientação também sobre sexo e drogas e existe um pacto entre os alunos e o professor que os acompanha", diz ele.


*Os nomes das pessoas desta reportagem foram trocados por nomes fictícios

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