São Paulo, segunda-feira, 29 de junho de 2009

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COMPORTAMENTO

Sagrado estudo

Diego largou a namorada para ser padre; Gihad vai ser xeque e se casará com quem seus pais escolherem; Felipe troucou a farra por um futuo como pastor; Allyne ensina espiritismo, mas escondia sua religião na escola; Ione é proibida de tocar pessoas em períodos de aprendizado do candomblé; Prana mudou de nome ao virar monge hare Krishna e Aron estudou em dois continente para ser rabino; saiba por que esses sete jovens querem ser líderes religiosos

Catolicismo
Diego Macedo, 19

A turma do primeiro ano do Seminário Nossa Senhora da Assunção, que forma padres em São Paulo, tem 11 alunos. Pela média da instituição, quatro deles devem desistir antes de completarem o curso. O percurso é longo, soma oito anos: um ano de propedêutico (introdução religiosa), mais três anos de graduação de filosofia e quatro anos de faculdade de teologia.
Diego Macedo, 19, diz que não será um dos desistentes, pois já passou pela crise com a escolha. Certo de sua vocação desde pequeno, ele decidiu, aos 13, que queria ser mais do que coroinha. Foi estudar em um colégio preparatório da igreja.
De lá, passou para o centro vocacional da igreja e pelo bispo, que o aprovou para começar a formação para ser padre.
Aos 18 anos, porém, Diego se apaixonou por Tati e os planos divinos cessaram por três meses. O casal sonhava com o casamento e com filhos, "a Sara e o Miguel".
Percebendo que deveria subir ao altar sozinho, disse à namorada que queria ser padre. "Ela aceitou, né? Ia fazer o quê?"
Hoje, Diego mora no seminário, onde tem quarto próprio e é responsável por cuidar da casa e por preparar as missas. Ganha uma bolsa em dinheiro da igreja, que paga seus estudos. E é celibatário.

Islamismo
Gihad Mazloum
, 17

Gihad Mazloum, 17, está no primeiro ano do curso para se tornar um xeque -líder religioso do islamismo.
Tem mais três anos pela frente, durante os quais vai precisar saber de cor as muitas centenas de páginas do Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos, e os ensinamentos do profeta Maomé (também conhecido como Muhammad).
A tarefa não começou agora. Desde os 12 anos o garoto estuda em escolas islâmicas de São Paulo, onde mora. Está seguindo os passos do pai, que é libanês e também estudou a religião.
"É comum as pessoas me perguntarem se sou feliz assim", diz o garoto. "Mas a questão não é ser feliz, é servir a Deus, como minha família me ensinou."
Além de terem tido papel fundamental em despertar nele o interesse pela religião, seus pais vão cuidar de outra parte importante de sua vida: a escolha de sua futura esposa -situação que, segundo Gihad, não o incomoda.
Mas há chateações que vêm de fora, como o preconceito de quem imediatamente relaciona sua religião com o terrorismo. "Quando digo que sou muçulmano, sempre tem alguém que acha que sou parente do Osama bin Laden", diz.

Igreja Batista
Felipe Pereira,
17

Quando Felipe Pereira, 17, terminou o ensino médio, pensava em ser veterinário ou administrador. Desistiu da primeira carreira quando o cachorro de um amigo o mordeu. A segunda saiu de perspectiva quando o pastor da igreja batista que frequenta há cinco anos disse que a comunidade, em Guarulhos (SP), precisava de um sacerdote jovem.
Prestou, então, vestibular para teologia. Hoje, é o calouro mais novo da classe, na Universidade Metodista. A turma, que começou com 60 alunos, se reduziu a 45 pessoas -das quais só quatro são mulheres, que também podem ser pastoras.
Felipe ainda não trabalha. Diz que está ansioso para entrar no Exército e prestar o ano de serviço militar obrigatório. Assim, poderá bancar a parte da mensalidade que a igreja não subsidia e que seus pais pagam -com muito gosto.
Dentro de casa, a decisão pelo caminho sagrado foi um orgulho. Fora, nem tanto. "Alguns parentes disseram que não tem nada a ver comigo." Os amigos, a maioria de não evangélicos, não opinam, ele diz.
Mas ajudam na hora em que ele tem desejos que precisa reprimir, como o de ir para a noitada. E Felipe não sucumbe: "O que vem adiante é a vontade de Deus".

Espiritismo
Allyne Lopes,
19

Há sete anos, Allyne Lopes, 19, não contava para nenhum colega de escola que ia a um centro espírita. Tinha medo de sofrer preconceito, caso eles pensassem que ela tinha o dom de ver e de receber espíritos. "Receava que dissessem que eu era macumbeira", conta, rindo.
Apesar de, no espiritismo, haver a possibilidade de uma pessoa entrar em contato com os espíritos, esse não é o caso da garota, que não é médium. O papel que ela desempenha na comunidade espírita é o de coordenar o ensino do espiritismo a crianças e o de ajudar a administrar o centro que frequenta.
Aos 12 anos, depois de participar de diversos cursos, ela própria dava aulas aos pequenos. "A caridade é, para mim, o fundamento mais bonito e forte do espiritismo, e é por isso que eu me dedico aos alunos carentes."
Atualmente, seus amigos conhecem sua fé e a respeitam, mesmo quando ela opta por beber água quando saem à noite para a ir a bares e boates.
Evitar o álcool, porém, não é uma regra imposta pela religião, mas por si mesma. "Lidamos com o livre arbítrio. Você sabe o que faz com o seu corpo e eu sei o que eu faço com o meu."

Candomblé
Ione de Souza,
23

Aos quatro anos de idade, Ione de Souza não pronunciava quase nenhuma palavra. Depois de ir, em vão, à fonoaudióloga, foi com a mãe a uma casa de santo, onde ouviu que precisava de uma "cura espiritual". Iniciou-se no candomblé e saiu de lá falando.
Passados 13 anos, ela decidiu se tornar mãe de santo: foi morar com uma ialorixá e ficou 21 dias reclusa, começando o período de sete anos para aprender a tomar contato com os orixás.
O diálogo com as entidades, que "descem" (incorporam) nos fiéis, é essencial para um líder da religião afro-brasileira.
Hoje, Ione pode sair de casa: trabalha como auxiliar de enfermagem e vai a barzinhos e a noitadas com os amigos.
Só não pode falar palavrões ou ter contato físico ou sexual se está "de preceito" -período de aprendizado intenso e de rituais, que podem envolver sacrifício de animais. Ela diz que o namorado, católico, entende as restrições sagradas.
Da religião, ganhou calma para lidar com o preconceito. "Um dia, estava na padaria e gritaram: "Olha lá a macumbeira!". Eu fiquei calada, aprendi que não posso responder, mas fico triste, pois as pessoas não sabem o que falam."

Hare Krishna
Prana Natha,
25

É difícil crer que a voz calma de Prana Natha Das, 25, cantou ska em uma banda antes de entoar mantras hare Krishna.
Pedro Ramos (seu nome original) já era vegetariano aos 16 e tinha questões como "para que estou vivo?". Buscou respostas na filosofia, mas só as achou no "Bhagavad Gita", livro-guia da religião oriental.
Em meses, Pedro adotou o templo como nova casa, raspou os cabelos e incorporou um novo nome -o dele significa "servo do senhor do ar sagrado". Fez tudo como é de praxe entre os novos monges e monjas.
Outra mudança foi instrumental: trocou a guitarra e o sax por instrumentos indianos como o harmônio e a miridanga. E foi três vezes à Índia tocar seu som para louvar Krishna, Deus em sua crença.
Com doações de pessoas que frequentam os jantares e rezas do templo, também já conheceu os EUA, parte da Europa, a Argentina, o Uruguai e o México. Tudo à custa de um trabalho que dura o dia todo.
Às 3h45, ele se levanta da esteira estendida no chão do templo onde vive para rezar e dar aulas, e só dorme às 22h30.
Hoje, a vida de Prana está tão ligada à religião -sua mãe se mudou para o templo há três anos- que ele precisa pegar calças emprestadas quando quer sair do templo.

Judaísmo
Aron Kurc,
25

A barba longa, sem aparar, esconde a pouca idade do rabino Aron Kurc, 25. A maturidade que ele demonstra enquanto explica à reportagem porque decidiu seguir a vida religiosa, também.
Mas o rabinato nem sempre foi uma certeza na vida do rapaz. Aos 16, ele desistiu de estudar em uma escola judaica (ou "yeshivá"). "Eu não punha em dúvida se eu era judeu ou não, e sim se deveria seguir as regras do judaísmo."
A vida longe da religião durou pouco. "O que não me deixava em paz era pensar que não havia nenhum objetivo na vida, sem religião." Voltou para a escola.
A essa altura do campeonato, Aron já tinha 17 anos e a barba começava a aparecer em seu rosto. Deixou-a crescer, mesmo que essa tradição não fosse adotada em casa. "Estudei as razões místicas para isso, não tenho vontade de cortar."
Foram três anos de estudos em Israel e mais dois nos Estados Unidos. Aos 23 anos, retornou ao Brasil como rabino -e fluente em hebraico, condição para receber o título. Com a ajuda da família, encontrou uma noiva e se casou. "No judaísmo, o casamento é aconselhável, e cabe à comunidade ajudar para que duas pessoas parecidas se encontrem", explica.

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