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POLÍTICA
Um se diz anarquista, a outra poderia ser hippie,
e o terceiro ainda crê no comunismo; leia o que dizem alguns jovens no Fórum Social Mundial
O sonho não acabou
RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Para alguns jovens, uma idéia vale
uma vida. Não tem butique ou meio-termo. No Acampamento da Juventude do Fórum Social Mundial, que termina hoje em Porto Alegre, há muitos tão doidos, sérios e radicais quanto Aliocha, de
"Os Irmãos Karamazov", escrito pelo russo
Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
Após meditar sobre a existência de Deus
e a imortalidade da alma, e tendo chegado à
conclusão positiva, o personagem tomou a
única decisão que lhe parecia coerente com
a descoberta: partiu para um monastério.
Lyn Silffa Motta, 22, é um desses jovens.
A catarinense decidiu, aos 16, que queria
"fugir do sistema", não "trabalhar de funcionária, fazer horário e ter patrão". Ganhou a estrada.
Como é de praxe hoje em dia, os "Aliochas" modernos dividem-se em diferentes
tribos. Não são só as roupas que os distinguem e, diferentemente da maioria dos
adolescentes de classe média brasileiros,
parecem ter poucas dúvidas sobre tudo.
No fórum, eles estão entre os punks, os
integrantes de grupos esquerdistas e os
que, nas décadas de 60 e 70, seriam chamados de hippies. Lyn pertence a esse último
grupo, embora discorde do título.
"Hippie já foi; estamos em outra época",
ela diz. "É como dizer que um cabeludo
éum homem das cavernas."
Após decidir não fazer vestibular -estudava em São Joaquim, "lá no frio"-, Lyn
deixou a casa dos pais e passou a se sustentar fazendo artesanato. "Já fiz boneco de
pano, docinho para vender na praia, cachaça artesanal, marionetes, fantoches."
Viajou para São Paulo, depois para o litoral catarinense. No verão, vivia bem com o
que ganhava vendendo artesanato. No inverno, já era mais "brabo". "Aí, o bicho pega." Dormiu em praça, em restaurante, em
posto de gasolina. Viaja de ônibus e de carona. Onde mora agora? "Agora, aqui no
Fórum", respondeu.
Disse que os pais ficaram tristes com sua
opção, mas que hoje já entendem melhor.
"Queriam que eu fizesse faculdade. O sistema é assim, queriam isso para a filhinha deles também", ela diz. Não pertence a grupo
nenhum, nem viaja acompanhada -"eu
faço a minha história"-, mas diz que se
sente feliz. "Senão, já teria tido outra idéia."
O punk T., 26, diz seguir "princípios
anarquistas" e preferiu não falar o próprio
nome, após um colega seu se recusar a falar,
argumentando que busca boicotar a imprensa. Na última quarta-feira da semana
passada, vestido de preto e com pulseiras
de metal, descansava numa roda de outros
punks, no meio do acampamento.
Como Lyn, saiu cedo de casa, com apenas 12 anos. Diz que foi então morar em uma
casa abandonada, que havia sido ocupada
por outros 12 "anarquistas". "Eu me identifiquei com eles. Venho do subúrbio, da
classe operária, e aderi ao anarquismo, à
idéia da igualdade."
Mesmo fora de casa, T. diz ter terminado
o ensino médio. Depois, se mudou para o
Rio de Janeiro e vive numa fazenda com
outros cinco "anarquistas" a cerca de 100
km da capital do Estado. O dono da propriedade, ele diz, paga pelos trabalhos que
realizam no sítio.
Menos radical na prática que seus colegas
de acampamento, L., 17, acredita firmemente no fim da sociedade capitalista e na
sua substituição pelo socialismo. Milita no
Movimento Contestação, que nos dias do
fórum montou uma série de barracas no
parque em que foi organizado o Acampamento da Juventude.
Ainda mora com os pais, mas descreve
sua adesão ao socialismo e ao movimento
estudantil como uma revolução pessoal.
Outro efeito de sua "conversão", afirma, foi
o menor apego que passou a ter aos "bens
materiais". Considera que isso é incomum
para a sua idade, mas, para confundir a reportagem, explica que na sua sociedade
ideal esse não seria um problema.
"A gente brinca que, num país socialista,
toda pessoa vai ter direito a uma piscina de
Coca-Cola", diz. Faz sentido.
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