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      São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2004
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HISTÓRIA

A literatura e a questão da nacionalidade

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A falta de correspondência entre o que os românticos consideravam valores e atributos que poderiam ser as bases da nacionalidade e a formação e características efetivas da população nativa levou ao fracasso do projeto romântico no Brasil.
Essa discussão sobre os fundamentos da nacionalidade foi resgatada posteriormente pelos pensadores republicanos. Mais atentos aos aspectos concretos da nossa formação histórica, reconheceram abertamente a inexistência de algo que pudesse ser caracterizado como "o povo brasileiro" e deixaram de discutir o problema da nacionalidade a partir de um enfoque étnico e cultural. Para eles, a solução do problema se colocava no plano político e consideravam que a criação do povo brasileiro seria uma das principais tarefas da república.
Ao universalizar direitos e deveres, o Estado republicano criaria uma comunidade de cidadãos baseada nesses compromissos comuns, que se tornariam os elos efetivos entre todos os brasileiros. Esse objetivo, entretanto, não se concretizou. Já nos primeiros anos do século 20, era evidente que a república estava longe de universalizar a cidadania, pois o exercício dos direitos civis e políticos mais elementares continuava restrito às elites econômicas e culturais.
A melhor formulação para o problema da nacionalidade foi dada no decorrer da década de 20 pelo modernismo, em "Macunaíma", de Mário de Andrade. O personagem central da rapsódia nasceu índio no interior do Amazonas, percorreu todo o território brasileiro em busca de um talismã e assumiu várias identidades ao longo da história, a ponto de ser caracterizado também como "herói sem caráter". Com essa definição, que não tem relação com nenhum critério de valor moral, Mário de Andrade quis chamar a atenção para o fato de o "herói de nossa gente" ser a síntese de tradições que não se excluem.
Fica sugerido que o "povo brasileiro" não pode ser caracterizado como uma "massa homogênea", mas que, apesar da diversidade, o que nos une é mais forte do que aquilo que nos separa. A diversidade seria a nossa identidade. Por essa via, os brasileiros poderiam começar a se reconhecer como uma comunidade nacional. Diante disso, podemos afirmar que o modernismo, já na década de 20, antecipava o tema central das lutas políticas travadas nas décadas seguintes, o nacionalismo.


Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. E-mail: roberson.co@uol.com.br


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