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HISTÓRIA
A literatura e a questão da nacionalidade
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A falta de correspondência entre
o que os românticos consideravam valores e atributos que poderiam ser as bases da nacionalidade e a formação e características efetivas da população nativa
levou ao fracasso do projeto romântico no Brasil.
Essa discussão sobre os fundamentos da nacionalidade foi resgatada posteriormente pelos pensadores republicanos. Mais atentos aos aspectos concretos da nossa formação histórica, reconheceram abertamente a inexistência
de algo que pudesse ser caracterizado como "o povo brasileiro" e
deixaram de discutir o problema
da nacionalidade a partir de um
enfoque étnico e cultural. Para
eles, a solução do problema se colocava no plano político e consideravam que a criação do povo
brasileiro seria uma das principais tarefas da república.
Ao universalizar direitos e deveres, o Estado republicano criaria
uma comunidade de cidadãos
baseada nesses compromissos
comuns, que se tornariam os elos
efetivos entre todos os brasileiros.
Esse objetivo, entretanto, não
se concretizou. Já nos primeiros
anos do século 20, era evidente
que a república estava longe
de universalizar a cidadania, pois
o exercício dos direitos civis e políticos mais elementares continuava restrito às elites econômicas e culturais.
A melhor formulação para o
problema da nacionalidade foi
dada no decorrer da década de 20
pelo modernismo, em "Macunaíma", de Mário de Andrade. O personagem central da rapsódia nasceu índio no interior do Amazonas, percorreu todo o território
brasileiro em busca de um talismã
e assumiu várias identidades ao
longo da história, a ponto de ser
caracterizado também como "herói sem caráter". Com essa definição, que não tem relação com nenhum critério de valor moral,
Mário de Andrade quis chamar a
atenção para o fato de o "herói de
nossa gente" ser a síntese de tradições que não se excluem.
Fica sugerido que o "povo brasileiro" não pode ser caracterizado
como uma "massa homogênea",
mas que, apesar da diversidade, o
que nos une é mais forte do que
aquilo que nos separa. A diversidade seria a nossa identidade. Por
essa via, os brasileiros poderiam
começar a se reconhecer como
uma comunidade nacional. Diante disso, podemos afirmar que o
modernismo, já na década de 20,
antecipava o tema central das lutas políticas travadas nas décadas
seguintes, o nacionalismo.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As
Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e
professor no Colégio Rio Branco e na
Universidade Grande ABC. E-mail:
roberson.co@uol.com.br
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