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PORTUGUÊS
Contradição pode ser apenas aparente
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Na prova de português da Fuvest, realizada no domingo
passado, foi pedido aos candidatos que explicassem o paradoxo
contido em um texto de Rubem
Braga. Na anedota contada pelo
autor, o riso do leitor é provocado
pela aparente contradição enunciada por um garçom lusitano
que, ao ouvir a conversa de dois
brasileiros num restaurante lisboeta, lhes indaga: "Que raio de
língua é essa que estão aí a falar,
que eu percebo tudo?".
Ora, o paradoxo é uma figura de
pensamento que consiste em afirmar algo que, apesar de parecer
contraditório, é verdadeiro. O
garçom de Rubem Braga, ao perguntar "que raio de língua" era
aquela, revelou estar diante de um
idioma desconhecido, mas, ao dizer que percebia tudo, demonstrou reconhecê-lo. O paradoxo
está no fato de a língua falada pelos brasileiros ser, a um só tempo,
conhecida e desconhecida dele.
Absurdo? Apenas aparentemente, pois, embora seja uma só
língua, o português manifesta-se
de modo diverso no Brasil e em
Portugal. As diferenças entre os
falares são patentes -estão na
pronúncia, na escolha vocabular,
na sintaxe etc. Daí a estranheza e a
familiaridade sentidas simultaneamente pelo garçom.
Camões, no conhecido soneto
em que tenta definir o amor, enreda-se em uma seqüência de paradoxos: "Amor é fogo que arde
sem se ver/ É ferida que dói e não
se sente/ É um contentamento
descontente/ É dor que desatina
sem doer". E, ao final, conclui,
perguntando: "Mas como causar
pode seu favor/ Nos corações humanos amizade,/ Se tão contrário
a si é o mesmo Amor?". A resposta cabe a quem já se tiver emaranhado nas lides amorosas...
Já, nos versos de Fernando Pessoa, em "Tabacaria": "Falhei em
tudo./ Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada", a
contradição é levada ao paroxismo: algo é idêntico ao seu oposto.
A sensação de ter falhado em tudo, ainda que por um artifício retórico, confunde-se com a de não
ter falhado em nada.
Também ocorre paradoxo na
definição do sertanejo como
"Hércules-Quasímodo", proposta
por Euclydes da Cunha em sua
obra monumental "Os Sertões".
Unindo ao nome do semideus
grego, símbolo da força, o do corcunda, símbolo da fealdade,
imortalizado na obra de Victor
Hugo, Euclydes criou uma imagem vigorosa e sintética, que beira
o patético, por meio da qual exprimiu o solene e o grotesco da
destemida resistência do sertanejo às adversidades.
Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha
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