São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 2002
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PORTUGUÊS

"Falar difícil" nem sempre causa boa impressão

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ânsia de impressionar o interlocutor por meio do uso de palavras raras ou de sentido menos conhecido pode levar o falante a cometer certas inadequações ou impropriedades lingüísticas.
A ilusão da sinonímia perfeita faz que muitos creiam que a mera substituição de uma palavra por outra mediante consulta ao dicionário possa enriquecer um texto. A verdade, porém, é que os sinônimos nem sempre são permutáveis nos mesmos contextos. Ruptura, quebra, suspensão, cada termo tem sua situação de emprego razoavelmente bem definida, embora todos tenham um núcleo significativo comum.
Há quem, para "falar bonito", lance mão de perífrases e, por exemplo, diga "última flor do Lácio" para referir-se à "língua portuguesa" ou, ao indagar de uma moça a sua idade, peça-lhe que diga "quantas primaveras conta". Outros não resistem a perguntar onde está o "busílis" quando querem saber onde está o xis da questão. Esse tipo de linguagem, por desgastado e nada original, cria uma atmosfera jocosa em torno daquele que o usa, visto que a artificialidade do discurso denota a intenção de impressionar -e o efeito acaba sendo o oposto.
A impropriedade pode surgir do fenômeno conhecido como hipercorreção. O fonema /i/, muitas vezes, é considerado uma pronúncia incorreta de /e/. É por isso que, às vezes, ouvimos "previlégio" no lugar de "privilégio" ou "eminente" no lugar de "iminente". Neste último caso, as duas palavras coexistem com significados diferentes. Diz-se, por exemplo, que um perigo é "iminente" (ou seja, está prestes a ocorrer). "Eminente" quer dizer "ilustre".
O mesmo ocorre com o fonema /u/, visto como a forma incorreta de /o/. Assim, há quem prefira "comprimentar" os amigos a "cumprimentá-los". Ora, "cumprimento" é o ato de "cumprir" ou o de "cumprimentar", mas "comprimento" é um sinônimo de "extensão".
Além das confusões favorecidas pela existência de palavras parecidas na língua portuguesa, há casos de impropriedade semântica que resultam da distração. É conhecida a história de um político que, em discurso inflamado, dizia que a nação estava à beira do abismo e que, ele, se eleito, faria que o país desse um passo à frente...
Situações como essa não são difíceis de evitar. Basta que não se compreenda o saber lingüístico como um feixe de frases feitas e de construções pomposas de efeito duvidoso.


Thaís Nicoleti de Camargo é consultora de língua portuguesa da Folha


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