São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004
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GRAMÁTICA

Concordância verbal e suas armadilhas

ODILON SOARES LEME
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pessoas que têm bom domínio da norma culta ficam realmente escandalizadas quando, em entrevistas pelo rádio ou pela televisão, ouvem frases como "Felizmente não houveram conseqüências graves", "Já fazem cinco anos...", "São por esses motivos que..." E a estranheza fica ainda maior quando quem fala é um figurão dos altos escalões...
Não há dúvida de que esses plurais não fazem parte da linguagem informal. E é exatamente por isso que algumas pessoas, em situações em que se espera o padrão culto, "capricham" em fazer o verbo concordar com aquilo que elas imaginam ser o sujeito da oração.
Ocorre, porém, que o verbo haver, quando significa "existir" ou "ocorrer", e o verbo fazer, quando indica tempo decorrido, são impessoais, não têm sujeito e devem, portanto, ficar na terceira pessoa do singular. O que a norma culta indica é, então, "Felizmente não houve conseqüências graves" e "Já faz cinco anos..."
Em relação à frase "São por esses motivos que...", a norma culta indica "É por esses motivos que...". Por quê?
A expressão é que funciona como expletivo. Trata-se de uma expressão que, embora não necessária à estrutura da frase, dá-lhe mais força e expressividade. Em lugar de dizer simplesmente "Esses empresários deveriam ser incentivados", podemos dizer "Esses empresários é que deveriam ser incentivados". Em vez de "Precisamos de pessoas assim", poderíamos ter "De pessoas assim é que precisamos".
Existe a possibilidade de separarmos os elementos do expletivo, colocando o verbo ser no início da oração e flexionando-o para concordar com o elemento que vem a seguir: "São esses empresários que deveriam ser incentivados", "São pessoas assim que nós admiramos"...
Mas, cuidado: a flexão do verbo ser, nesse caso, só pode dar-se se ele não vier seguido de preposição. Daí o desvio em "São por esses motivos que...". Como depois do verbo ser temos a preposição por, a construção adequada é "É por esses motivos que...".
Em termos de norma culta, a orientação é que o verbo ser do expletivo "é que" somente se flexione, em início de oração, quando vem seguido de um grupo nominal não preposicionado. Essa é a razão por que dizemos "É nessas horas que se conhecem os amigos".


Odilon Soares Leme é professor do Anglo, responsável pela vinheta "S.O.S. Língua Portuguesa" da rádio Jovem Pan e autor de "Tirando Dúvidas de Português" e de "Linguagem, Literatura, Redação" (Editora Ática)


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