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      São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2003
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HISTÓRIA

Cultura e escravidão

ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A universidade esperava-me com suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com solenidade e estilo... uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, -principalmente de saudades."
Esse pequeno trecho do monumental "Memória Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, no qual o personagem principal narra aspectos de sua formação acadêmica, dá bem a medida do lugar e da importância da cultura para a aristocracia de extração colonial que dominava o Brasil em fins do século 19.
Como sabemos, a condição de proprietário de terras e de escravos e o exercício de um cargo na administração da colônia e, posteriormente, no Império eram fatores que conferiam prestígio e reconhecimento social. Além desses critérios, havia outro: a formação acadêmica e cultural.
O personagem de Machado de Assis, Brás Cubas, era um digno representante da aristocracia imperial. No seu singelo depoimento, transparece que foi a Coimbra, não propriamente por valorizar e atribuir significado relevante ao conhecimento e à cultura, mas para obter, com esforço mínimo, o grau de bacharel, isto é, um título a ser exibido como fator de distinção e diferenciação no seu país de origem, no qual a maioria da população era analfabeta.
Desse ponto de vista aristocrático, a formação acadêmica e cultural ganhava a dimensão de um ornamento, de algo a ser exibido e ostentado, como uma jóia ou um título de "nobreza". Era uma aquisição que delimitava os níveis superiores de uma sociedade fortemente hierarquizada, preconceituosa e discricionária. Dessa perspectiva, o conhecimento e a cultura não eram encarados pela contribuição que poderiam proporcionar à sociedade. Daí que, nas esferas aristocráticas, acabou assumindo uma feição exibicionista e desvinculada das necessidades reais do país.
Talvez a primeira alteração dessa tradição tenha ocorrido na diplomacia brasileira com o desempenho de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, que colocou sua energia intelectual e sua ampla formação cultural a serviço do país, uma vez que conseguiu incorporar extensões territoriais significativas por meio de acordos e negociações embasadas em extensas e minuciosas pesquisas geográficas e históricas.


Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. E-mail: roberson.co@uol.com.br


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