|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HISTÓRIA
Cultura e escravidão
ROBERSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"E foi assim que desembarquei
em Lisboa e segui para Coimbra. A universidade esperava-me
com suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e
nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com solenidade e estilo... uma bela festa que me
encheu de orgulho e de saudades,
-principalmente de saudades."
Esse pequeno trecho do monumental "Memória Póstumas de
Brás Cubas", de Machado de Assis, no qual o personagem principal narra aspectos de sua formação acadêmica, dá bem a medida
do lugar e da importância da cultura para a aristocracia de extração colonial que dominava o Brasil em fins do século 19.
Como sabemos, a condição de
proprietário de terras e de escravos e o exercício de um cargo na
administração da colônia e, posteriormente, no Império eram fatores que conferiam prestígio e reconhecimento social. Além desses
critérios, havia outro: a formação
acadêmica e cultural.
O personagem de Machado de
Assis, Brás Cubas, era um digno
representante da aristocracia imperial. No seu singelo depoimento, transparece que foi a Coimbra,
não propriamente por valorizar e
atribuir significado relevante ao
conhecimento e à cultura, mas
para obter, com esforço mínimo,
o grau de bacharel, isto é, um título a ser exibido como fator de distinção e diferenciação no seu país
de origem, no qual a maioria da
população era analfabeta.
Desse ponto de vista aristocrático, a formação acadêmica e cultural ganhava a dimensão de um ornamento, de algo a ser exibido e
ostentado, como uma jóia ou um
título de "nobreza". Era uma
aquisição que delimitava os níveis
superiores de uma sociedade fortemente hierarquizada, preconceituosa e discricionária. Dessa
perspectiva, o conhecimento e a
cultura não eram encarados pela
contribuição que poderiam proporcionar à sociedade. Daí que,
nas esferas aristocráticas, acabou
assumindo uma feição exibicionista e desvinculada das necessidades reais do país.
Talvez a primeira alteração dessa tradição tenha ocorrido na diplomacia brasileira com o desempenho de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco,
que colocou sua energia intelectual e sua ampla formação cultural a serviço do país, uma vez que
conseguiu incorporar extensões
territoriais significativas por meio
de acordos e negociações embasadas em extensas e minuciosas
pesquisas geográficas e históricas.
Roberson de Oliveira é autor de "História do Brasil: Análise e Reflexão" e "As Rebeliões Regenciais" (Editora FTD) e professor no Colégio Rio Branco e na Universidade Grande ABC. E-mail: roberson.co@uol.com.br
Texto Anterior: Química: Em caso de congestionamento, desligue o motor Próximo Texto: Biologia: O Ano Internacional da Água Doce Índice
|