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Você não sabe o que está perdendo
Chefs contam quais pratos e ingredientes ainda são preteridos nas mesas dos restaurantes da capital paulista
Produtos rejeitados pelos clientes incluem vísceras bovinas e suínas, aves de caça, escargot, rã, coelho e frutos como quiabo e jiló
RENATA DO AMARAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O que têm em comum o quiabo, o escargot, a rabada e o coelho? Todos esses ingredientes
são considerados tabus gastronômicos, segundo chefs entrevistados pela Folha. Quando
aparecem no cardápio de restaurantes, figuram no ranking
dos pratos menos pedidos. As
receitas, porém, podem esconder boas surpresas: sete de 13
chefs ouvidos dividem suas
descobertas com os leitores.
Língua de cordeiro com vinho tinto e especiarias, servida
na companhia de purê de tomate assado, é o prato menos
solicitado no brasileiro Tordesilhas. A chef Mara Salles vai
ser obrigada a tirá-lo do menu
em breve, por dificuldade de
encontrar fornecedor. É uma
oportunidade única de conhecer a iguaria, afirma Mara, que
só não prova jacaré por morrer
de medo do animal.
"Falta coragem de assumir o
ingrediente, extrair o que ele
tem de melhor e colocar uma
peça de resistência no cardápio. Tantas coisas boas estão se
perdendo!", diz. "Daqui a pouco, a gente vai viver a ditadura
do foie gras, do filé mignon, do
robalo. O Brasil tem muito
mais diversidade que isso."
O restaurateur Carlos Bettencourt, proprietário do restaurante português A bela Sintra, acha que os brasileiros perdem em não experimentar ingredientes como coelho, pombo e lebre. O arroz de codorniz,
que anda raro até em Portugal,
é o prato que menos sai na casa.
Bettencourt insiste em prepará-lo e sempre oferece a receita
aos amigos que vêm visitá-lo.
No Lola Bistrot, a rabada é o
prato menos pedido. "As pessoas associam a imagem do rabo do boi ao preparo. No entanto, toda carne próxima do osso
tem um sabor marcante e pungente", afirma a chef Daniela
França Pinto, que não come
dobradinha, sarapatel nem
miolo de boi. Na sua opinião, a
valorização de produtos europeus faz com que matérias-primas nacionais fiquem restritas
a restaurantes regionais.
A bochecha de vitela guisada
com lula é o prato que sofre
mais resistência do público no
espanhol eñe. É por isso que o
chef Sergio Torres Martinez
sempre pergunta ao cliente se
ele topa experimentar a criação
antes de incluí-la no menu-degustação, em que paga-se um
preço fixo para provar uma sequência de receitas. Segundo
ele, as pessoas ficam reticentes,
mas costumam adorar o prato.
No francês Marcel, o jovem
chef Raphael Durand Despirite
usa truque semelhante: quando quer testar um prato mais
ousado, o coloca no menu-degustação para sentir a aprovação dos clientes. É o que tem
feito com a rabada servida com
feijão-guando.
Exotismo valorizado
O chef Tsuyoshi Murakami,
do japonês Kinoshita, enumera
iguarias exóticas que os brasileiros deveriam provar: turu,
molusco que cresce em troncos
de árvores no Amazonas; shiokara, lula curtida em sal e saquê
por uma semana; e nato, pasta
de soja fermentada.
Murakami faz receitas com
ingredientes como barbatana
de tubarão e diz que não há prato menos pedido por lá -os que
menos saíam eram, ao contrário, os triviais, que foram tirados do cardápio.
Além dele, os chefs do franco-italiano La Tambouille, do
contemporâneo Cantaloup e
do francês La Brasserie Erick
Jacquin disseram que não há
receitas menos pedidas em
seus estabelecimentos.
Para a chef do Brasil a Gosto,
Ana Luiza Trajano, a carne de
bode deveria ser mais bem
aproveitada. Ela encontrou
uma tática para defendê-la em
seu restaurante: indica ao
cliente e diz que ele pode escolher outro prato, por conta da
casa, se não gostar. "As pessoas
estão mais abertas a experimentar coisas diferentes, principalmente quando confiam no
restaurante", afirma.
Não é só o público que evita
certos ingredientes -os próprios chefs também têm sua lista de itens preteridos. "Já tentei duas vezes, mas não consegui comer andouilette, um embutido feito com intestino grosso de porco", afirma Benny Novak, chef do restaurante Ici Bistrô, que não encara sarapatel
nem buchada.
RENATA DO AMARAL participou do 46º programa de treinamento da Folha, que foi patrocinado
pela Odebrecht e pela Philip Morris Brasil
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