São Paulo, sábado, 01 de abril de 2000


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LIVRO LANÇAMENTOS
Procópio escreve um documento de si mesmo

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local


"Cheguei a este mundo no dia 8 de julho de 1898. Não decretaram feriado nem ponto facultativo, coisa que em nada me aborreceu. Sou modesto demais para não fazer caso de pompas e honrarias."
Isso é Procópio Ferreira, numa das primeiras passagens de "Procópio Ferreira Apresenta Procópio", livro que tem como subtítulo "Um Depoimento para a História do Teatro no Brasil". Não se trata de uma biografia, de fato. É uma coletânea irregular sobre um ator nada modesto e que certamente não tinha razão para isso.
Outra passagem: "Os motivos aqui encerrados referem-se a um ciclo teatral do qual eu sou o símbolo, ou melhor, um ciclo em que avulta a figura inconfundível de um compositor de individualidades artísticas. Fui eu, em 50 anos de atividade ininterrupta, o único que manteve à altura de seus verdadeiros desígnios a arte cênica objetiva entre nós".
Ele completa: "Em que pese todas as opiniões em contrário para negar-me ou destruir-me". Para quem se interessa pela trajetória de Procópio, visto invariavelmente como o maior ator do teatro brasileiro, o livro se revela, uma vez mais, uma resposta aos críticos, àqueles que não o compreenderam, não entenderam o valor da comédia e da consagração popular -acima do gosto, como ele escreve, da "elite".
Já não era outra coisa "O Ator Vasques", conhecida biografia do ator cômico Francisco Corrêa Vasques, de êxito popular no século 19 e que Procópio, naquele livro, contrapõe ao trágico consagrado -e sem público- João Caetano.
O grande ator, que morreu em 1979, tinha consciência das limitações deste "Procópio Ferreira Apresenta Procópio" -aliás, um manuscrito só descoberto poucos anos atrás, quando sua filha, a atriz e diretora Bibi Ferreira, iniciou as pesquisas para o centenário de nascimento do pai, marcado por exposições e pela remontagem de "Deus lhe Pague".
São "subsídios", escreve Procópio, "para quem pretende amanhã tecer um verdadeiro livro sobre o teatro no Brasil". Como subsídio, como um documento, o livro tem muito a oferecer, ainda que não se encontrem novidades.
São três livros num só, pode-se dizer. O primeiro, de pouco mais de 50 páginas, é uma pequena biografia do início da vida e da carreira -com a formação na Escola Dramática, muito questionada pelo ator por fechar-se na teoria; a estréia e os primeiros espetáculos; os modelos, como Leopoldo Fróes e Ítala Fausta; o sucesso do personagem do Fogueteiro, em "A Juriti", de Viriato Corrêa.
O segundo, de mais de 150 páginas, não é muito além de uma tediosa coleção de textos críticos, publicados em jornais até 1936. Mas também aqui encontram-se qualidades documentais, como nos textos do modernista Antônio de Alcântara Machado, o precursor da crítica paulista. Seu tratamento a Procópio é impiedoso.
Para o ator, A. de A.M., como Machado assinava no "Jornal do Commercio", iniciou uma "odiosa campanha" de "injustas e descabíveis desforras do despeito, da má-fé, da maldade, ou que qualquer outro nome tenha". Eram os primeiros passos da Cia. Procópio Ferreira, nos anos 20, o que ajuda a entender a obsessiva autodefesa do ator, dali em diante.
O terceiro e último "livro" de "Procópio Ferreira Apresenta Procópio" é o que mais promete e é o mais frustrante. Diz o ator: "Fiz da memória o meu arquivo. Conforme ela for ditando, irei escrevendo. Não há método, não há ordem cronológica, nada. É o que vier". Não vem muita coisa. As passagens sobre o autor Joracy Camargo e sua "Deus lhe Pague", por exemplo, perdem para qualquer entrevista, em detalhes e revelações. As observações sobre Molière, de quem Procópio montou diversas peças; o relato sobre sua ligação com Vargas; sobretudo os registros das velhas paixões: é tudo muito superficial.
Salvam-se curiosidades, frases de efeito, equívocos engraçados, como considerar "Deus lhe Pague" uma "peça vanguardista". Salva-se também a visão de Procópio sobre o teatro que o suplantaria, desde as primeiras experiências de Flávio de Carvalho até Os Comediantes, todos combatidos por Procópio.


Avaliação:  

Livro: Procópio Ferreira Apresenta Procópio Autor: Procópio Ferreira Editora: Rocco Quanto: R$ 35 (416 págs.)


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