São Paulo, sábado, 01 de abril de 2000


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SUSPENSE
Estilo de Banks é nobre

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática


A precisão das palavras e a elegância do fraseado são a tônica de "Uma Canção de Pedra", romance do britânico Iain Banks, que tem se notabilizado como autor de ficção inusitada.
O esmero, "noblesse oblige", não é para menos. A história é contada por um nobre.
Decadente, bem decadente, mas consciente de sua aristocracia, da qual a linguagem é um dos elementos de construção/sustentação.
A tradução consegue manter o espírito do palavreado e, malgrado estar em português, o leitor "ouve" a história como se estivesse sendo narrada por Anthony Hopkins ou Hugh Grant, de nariz empinado e olhar desdenhoso, no jardim de um velho castelo inglês.
Mas cenário e trama não são nada bucólicos nem pastoris.
Depois da guerra, que destruiu o que havia de civilizado no mundo -ou pelo menos na parte do mundo em que vivem os personagens-, um casal de nobres abandona seu castelo.
Eles são acompanhados por um séquito de ex-empregados, trabalhadores e pobres da região, para tentar fugir da violência de saqueadores, já que do saque em si não dá para fugir.
Quando Abel, Morgan e sua "entourage" imaginavam que estavam se afastando do perigo, ouvindo ao longe tiros que poderiam estar sendo disparados em volta do castelo, a ilusão se desfaz.
O grupo encontra uma quadrilha de soldados desgarrados que, como qualquer outro bando, pretende encontrar adversários, derrotá-los e conseguir o máximo de comida e conforto que puder obter.
Eles são liderados por uma masculinizada tenente, capaz de dar um beijo "profundo, demorado, quase apaixonado" em um soldado moribundo, para depois despachá-lo com um tiro na têmpora, levantar-se e prosseguir normalmente a conversa.
A vontade da tenente muda a ordem das coisas, e os fugitivos devem voltar para o castelo de pedra, que servirá de refúgio, quartel-general e fonte de recursos para o grupo.
Abel e Morgan são obrigados não apenas a ver a herdade da família ser conspurcada como também a colaborar com os planos, desejos e prazeres da tenente.

Conflitos éticos
Ao lado da aventura, surge a discussão ética vivida por muitos -todos?- os derrotados em época de guerra.
Deve-se resistir ao inimigo a todo custo, sem colaborar jamais? Ou é melhor fingir subserviência, encaixar-se para combater "de dentro"? É possível trégua honrosa entre adversários de forças díspares? Ou honra é o que menos importa nesses momentos?
Os conflitos que Abel vive, ele narra somente a um interlocutor, sua amada Morgan, irmã e amante.
Chega a contar a ela o que ela fez ou está fazendo -nós, leitores, somos intrusos, é como se bisbilhotássemos diários privados, secretos.
Vamos acompanhando, assim, o crescendo das tensões -sexuais, mortais.
Aprofunda-se,também, o pensar-sobre-si do aristocrata, que se analisa e critica, faz filosofia, discute ética, progresso e religião.
Tudo em meio a sangue, mas já sem lágrimas. E, sempre, com elegância.


Avaliação:   

Livro: Uma Canção de Pedra Título original: A Song of Stone Autor: Iain Banks Tradutora: Claudia Costa Guimarães Editora: Record Quanto: R$ 29 (306 págs.)

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