São Paulo, sábado, 01 de abril de 2000


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CYBER
Novo Gibson soa retrô

BIA ABRAMO
especial para a Folha


William Gibson pode não ser muito bom em terminar o que começa -e em seu novo livro, "All Tomorrow's Parties", ele quer acabar só com o mundo tal como o conhecemos-, mas parece estar afinando cada vez mais sua capacidade de descrever atmosferas estranhamente familiares e de surpreender usando de forma imaginativa passado, presente e futuro.
O terceiro vértice da trilogia iniciada com "Virtual Light" (93) e continuada em "Idoru" (96, editado no Brasil pela Conrad no ano passado) não foge à regra. De novo, como em "Idoru", algo muito grandioso está para acontecer: e o leitor vai sendo informado e despistado aos poucos, por um jogo de revelações e elipses que se instala desde a primeira página.
E, quando finalmente acontece, Gibson parece perder a histamina do suspense e arruma soluções um tanto modestas. O livro, entretanto, tem o suficiente daquilo que Gibson faz de mais divertido: construir personagens descolados, escarafunchar no underground da tecnologia e arremessar o leitor em direção a um futuro pop e apocalíptico.
Vários personagens de "Idoru" reaparecem nesta nova história que se desdobra entre São Francisco (depois de grande terremoto) e Tóquio. Laney, um sujeito em estado de permanente alucinação cibernética, e Rei Toei, a Idoru, ou seja, ídolo pop com existência exclusivamente virtual e representação holográfica, estão no centro das movimentações que envolvem ainda Rydell, segurança de uma rede global de lojas de conveniência estilo 7 Eleven, e Chevette, uma espécie de Tank Girl menos bélica.
De "Virtual Light", Gibson pescou o vilão Cody Harwood, sobre quem o próprio autor fornece uma descrição imbatível: "Uma síntese do século 21 entre Bill Gates e Woody Allen".
Laney pressente (o personagem, submetido a experiências com drogas no orfanato onde cresceu, "navega no ciberespaço sem nenhum plugue, apenas fechando os olhos") que Harwood está de posse de uma tecnologia que vai virar o mundo de pernas para o ar e envia Rydell para impedir a catástrofe.
O segurança, equipado com óculos de fabricação brasileira e precária que servem (mal e porcamente) como telefone e acesso ao que virá a ser a Web no século 21, e Rei Toei, comicamente presa a um projetor holográfico do tamanho de uma garrafa térmica -como a protagonista de "Jeannie É um Gênio", o seriado de TV dos anos 60-, tentam rastrear o vilão e descobrir como e quando o plano secreto será colocado em ação.
O plano não se revela exatamente, mas tem a ver com nanotecnologia e transmissão de matéria (átomos mesmo) por fax (?!!?). Como se pode ver, Gibson também usa de um certo sarcasmo, fazendo o leitor embarcar alegremente num nonsense tecnológico-futurista.
O que é mais divertido do que quando ele exerce seu lado sociológico na linha revista "Wired" e entra em digressões sobre o fim da história, o estado das coisas e blablablás típicos da arrogância autocentrada das "profecias" norte-americanas sobre os cenários sóciopolíticos.
"All Tomorrow's Parties", em suma, é mais recomendado para aficionados de Gibson do que para leitores eventuais desse tipo de literatura. Que, à beira do século 21, está começando a ficar um pouco retrô.


Avaliação:  


Livro: All Tomorrow's Parties Autor: William Gibson Editora: Penguin Putnam Quanto: US$ 25 (277 págs.) Onde encontrar: www.amazon.com

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