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TEATRO
Grupo mineiro apresenta em SP "O Inspetor Geral", clássico do autor russo que espelha a corrupção no poder público
Galpão usa Gógol para rir de maus costumes
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Nascido e criado em Belo Horizonte, o grupo Galpão, 21, zelou
pelo distanciamento, esquivou-se
de transpor a ação para as alterosas, tendência natural em seus espetáculos, e fixou-a lá na Rússia
do início do século 19, como manda o original, mas não teve jeito.
O que vai pela peça "O Inspetor
Geral", de Nicolai Vassilievitch
Gógol (1809-52), é o que salta das
páginas de qualquer jornal de hoje: a corrupção nos mais variados
graus do poder.
"Não culpes o espelho por tua
cara retorcida", tascou Gógol na
epígrafe da sua primeira peça, de
1836, citando o ditado popular.
"O Inspetor Geral" estréia hoje,
para convidados, no teatro do
Sesc Vila Mariana, em São Paulo,
após apresentações em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Goiânia e Paraná.
Diretor convidado do Galpão, o
ator Paulo José, 67, como que
equalizou sua encenação entre as
sonoridades de duas palavras
"primas": o substantivo inspetor
e o adjetivo impostor.
Para além do "propinoduto",
como diz José, o clássico de Gógol
descortina a impostura tanto da
classe dirigente quanto daqueles
que compactuam o embuste.
A peça conta como o governo,
familiares, administradores de
confiança e até o juiz de uma cidade interiorana da Rússia entram
em pânico com o anúncio da chegada de um funcionário federal
encarregado de fiscalizar as contas do erário.
Consciências transtornadas, os
corruptos agem por impulso e
elegem, de chofre, o primeiro forasteiro que se hospeda no hotel
da cidade, quiçá, a serviço de uma
missão secreta.
O suposto, de nome Khlestakov,
é apenas um funcionário pé-rapado, que acaba de perder seu pouco dinheiro no jogo e, claro, vai
endossar aqueles paparicos de
quem o toma por autoridade máxima. Até a filha do governador
lhe cai nos braços.
Desfrutado o bem-bom, Khlestakov se retira de cena antes de
cair a máscara. Ou a casa. Uma
carta sua é interceptada e, nela,
zomba de todos. A peça termina,
agora sim, com a chegada do inspetor, que deverá encontrar terreno fértil para seu trabalho.
A essa espécie de comédia de erros, Paulo José incorporou estudos sobre a loucura. Buscou autores como Peter Weiss ("Marat/Sade"), Machado de Assis ("O Alienista") e, inclusive, o cineasta Nelson Pereira dos Santos ("Azyllo
muito Louco", 1970).
A dramaturgia adaptada de Cacá Brandão cotejou traduções em
inglês, francês, espanhol e português e foi consolidada na sala de
ensaios.
Paulo José encontrou o Galpão,
e vice-versa, há cinco anos. O ator
e a mulher, a cineasta Kika Lopes,
começaram a coletar imagens das
turnês do grupo para um documentário que ainda não tem previsão de lançamento. Na parceria
com o Galpão, que desenvolveu
uma sofisticada linguagem de teatro popular (por mais que a expressão tenha sido desvirtuada
nos últimos tempos), o diretor sublima a musicalidade inerente ao
trabalho de ator.
Há sempre disponibilidade para
tocar, cantar, o que foi devidamente lapidado nas últimas montagens pela trinca Babaya (preparação vocal), Fernando Muzzi
(instrumental) e Ernani Maletta
(regência de coro).
Os números musicais atravessam vários momentos de "O Inspetor Geral". Na abertura, por
exemplo, os atores adentram o
palco todos com indumentária
branca, típica dos povos turcos,
cantarolando em russo ou tocando trombone, sax, teclados etc.
Soam com a harmonia crítica
das sátiras que fazem rir das coisas más, como queria Gógol.
Uma "comédia com travo de
amargura ou uma crítica aos
(maus) costumes de nosso tempo", como assina o Galpão no
material distribuído à imprensa.
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