São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010

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TRECHOS

Ele me levou uma vez a inesperadas altitudes eróticas -uma vez só, que pena! Mas o fato é que John não era feito para o amor, não era constituído assim, não era constituído para se encaixar ou ser encaixado. Era como uma esfera. Como uma bola de vidro. Não havia como se conectar com ele. Essa é a minha conclusão, a minha conclusão madura. (...)
Que pode não ser surpresa para o senhor. O senhor deve achar que isso é verdade para artistas em geral, artistas homens: que eles não são constituídos para o que eu estou chamando de amor; que eles não podem ou não querem se entregar inteiramente pela simples razão de que existe neles uma essência secreta que eles precisam preservar em função da sua arte. Estou certa? É isso o que o senhor acha?

Extraído do capítulo "Júlia", do livro "Verão", de J.M. Coetzee

Sabe, na minha profissão, em vez de só ouvir as palavras, a gente gosta de ver o jeito como as pessoas se mexem, o jeito de elas se portarem. É o nosso jeito de chegar à verdade, e não é um jeito ruim. O seu mr. Coetzee pode ter tido um talento com as palavras mas, como eu contei, não conseguia dançar. Ele não conseguia dançar -essa é uma das frases que eu me lembro da África do Sul, Maria Regina me ensinou-, ele não conseguia dançar para salvar a própria vida. (...) Conhece a palavra "desencarnado"? Esse homem era desencarnado. Ele estava divorciado do próprio corpo. Para ele, o corpo era como um daqueles títeres de madeira que se mexem com cordinhas. (...) Então eu pergunto: como pode esse seu homem ser um grande homem se ele não é humano?
Extraído do capítulo "Adriana", do livro "Verão", de J.M. Coetzee



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