São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010

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Gautherot traduz a utopia de Brasília

Fotógrafo francês tem imagens reunidas em livro com composições que misturam vanguardas estéticas e efeitos de luz

Nascimento da capital federal também está retratado em mostra no Rio com artistas como Regina Silveira e Cildo Meireles


EDER CHIODETTO
COLABORAÇAO PARA A FOLHA

Cena um: final dos anos 1950. O Brasil se tornara um porto seguro para muitos europeus fugidos da Segunda Guerra. Entre eles, diversos artistas se tornariam fundamentais para renovar a arte por essas paragens com o ideário modernista. Cena dois: o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) se propõe a construir Brasília, o maior monumento arquitetônico modernista do mundo.
A confluência destes dois episódios históricos é o mote do livro "Brasília", com fotografias do francês Marcel Gautherot (1910-1996), e da mostra "As Construções de Brasília", ambos produzidos pelo Instituto Moreira Salles. A mostra, aberta na última quinta-feira, na sede do IMS, no Rio, virá no segundo semestre deste ano para a capital paulista, em data e local ainda indefinidos.
Além de Gautherot, a mostra inclui imagens e obras de outros artistas, como Regina Silveira e Cildo Meireles. Gautherot chegou ao Brasil, em 1939, seduzido pela leitura de "Jubiabá", de Jorge Amado, e após uma temporada no México, onde visitou a locação do filme "Viva México!", de Eisenstein.
Delineava-se assim um viés ideológico e estético que, somado aos seus estudos de arquitetura na Europa, o potencializaram para ser o mais preciso tradutor da utopia chamada Brasília.
Tradução neste caso implicou perceber a construção de um espaço por vezes mais simbólico do que arquitetônico. Os barracos improvisados dos candangos revestidos com os sacos de cimento, em contraste com as formas geométricas de Niemeyer e Lúcio Costa, narram um projeto que visava criar uma solução formal para uma questão antropológica.
Sobre tais questões, o crítico de arte Lorenzo Mammì escreve no catálogo da mostra que "de fato, hoje é consenso que a promessa de Brasília não foi cumprida, que o Brasil arcaico contaminou o moderno, mais do que o fecundou, que o colapso das instituições democráticas foi favorecido, afinal, por essa utopia modernista que deveria consagrá-las". Para depois sinalizar, com sabedoria, que esse fracasso se seguiu ao sucesso da construção de um mito de origem do qual o Brasil, como país colonizado, carecia.
Quando Gautherot devota seu olhar para Brasília já construída, obtém composições emblemáticas originadas pela soma de uma percepção gestada nas vanguardas estéticas com o efeito da luz do Planalto Central.
A imagem obtida da rampa do Palácio do Congresso Nacional é um exemplo (pág. 139). O corte que decepa parte do edifício é como uma lâmina a redimensionar a espacialidade em consonância com os enquadramentos do russo Eisenstein e com o equilíbrio entre formas dissonantes.
Se esse estado de coisas propiciado pelas imagens de Gautherot nos faz lembrar de Claude Lévi-Strauss dizendo que "aqui parece que é ainda construção, mas já é ruína", Mammì avança neste raciocínio: "Brasília é nossa ruína, tão essencial para nós quanto são as ruínas astecas para os mexicanos. Como as ruínas, em outros países, representam a saudade do que se perdeu, ela fornece à cultura brasileira um de seus traços fundamentais: a saudade do que ainda não é".


BRASÍLIA
Autor: Marcel Gautherot
Organização: Sergio Burgi e Samuel Titan Jr.
Editora: Instituto Moreira Salles
Quanto: R$ 85 (192 págs.)

AS CONSTRUÇÕES DE BRASÍLIA
Quando: de terça a sexta, das 13h às 20h; sáb., dom. e feriados, das 11h às 20h; até 25 de julho; livre
Onde: Instituto Moreira Salles - Rio (r. Marquês de São Vicente, 476, tel. 0/ xx/21/3284-7400)
Quanto: entrada franca




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