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Gautherot traduz a utopia de Brasília
Fotógrafo francês tem imagens reunidas em livro com composições que misturam vanguardas estéticas e efeitos de luz
Nascimento da capital federal também está retratado em mostra no Rio com artistas como Regina Silveira e Cildo Meireles
EDER CHIODETTO
COLABORAÇAO PARA A FOLHA
Cena um: final dos anos 1950.
O Brasil se tornara um porto
seguro para muitos europeus
fugidos da Segunda Guerra. Entre eles, diversos artistas se tornariam fundamentais para renovar a arte por essas paragens
com o ideário modernista. Cena dois: o governo Juscelino
Kubitschek (1956-1961) se propõe a construir Brasília, o
maior monumento arquitetônico modernista do mundo.
A confluência destes dois
episódios históricos é o mote
do livro "Brasília", com fotografias do francês Marcel Gautherot (1910-1996), e da mostra
"As Construções de Brasília",
ambos produzidos pelo Instituto Moreira Salles. A mostra,
aberta na última quinta-feira,
na sede do IMS, no Rio, virá no
segundo semestre deste ano
para a capital paulista, em data
e local ainda indefinidos.
Além
de Gautherot, a mostra inclui
imagens e obras de outros artistas, como Regina Silveira e
Cildo Meireles.
Gautherot chegou ao Brasil,
em 1939, seduzido pela leitura
de "Jubiabá", de Jorge Amado,
e após uma temporada no México, onde visitou a locação do
filme "Viva México!", de Eisenstein.
Delineava-se assim
um viés ideológico e estético
que, somado aos seus estudos
de arquitetura na Europa, o potencializaram para ser o mais
preciso tradutor da utopia chamada Brasília.
Tradução neste caso implicou perceber a construção de
um espaço por vezes mais simbólico do que arquitetônico. Os
barracos improvisados dos
candangos revestidos com os
sacos de cimento, em contraste
com as formas geométricas de
Niemeyer e Lúcio Costa, narram um projeto que visava
criar uma solução formal para
uma questão antropológica.
Sobre tais questões, o crítico
de arte Lorenzo Mammì escreve no catálogo da mostra que
"de fato, hoje é consenso que a
promessa de Brasília não foi
cumprida, que o Brasil arcaico
contaminou o moderno, mais
do que o fecundou, que o colapso das instituições democráticas foi favorecido, afinal, por
essa utopia modernista que deveria consagrá-las". Para depois sinalizar, com sabedoria,
que esse fracasso se seguiu ao
sucesso da construção de um
mito de origem do qual o Brasil,
como país colonizado, carecia.
Quando Gautherot devota
seu olhar para Brasília já construída, obtém composições
emblemáticas originadas pela
soma de uma percepção gestada nas vanguardas estéticas
com o efeito da luz do Planalto
Central.
A imagem obtida da rampa
do Palácio do Congresso Nacional é um exemplo (pág. 139). O
corte que decepa parte do edifício é como uma lâmina a redimensionar a espacialidade em
consonância com os enquadramentos do russo Eisenstein e
com o equilíbrio entre formas
dissonantes.
Se esse estado de coisas propiciado pelas imagens de Gautherot nos faz lembrar de Claude Lévi-Strauss dizendo que
"aqui parece que é ainda construção, mas já é ruína", Mammì
avança neste raciocínio: "Brasília é nossa ruína, tão essencial
para nós quanto são as ruínas
astecas para os mexicanos. Como as ruínas, em outros países,
representam a saudade do que
se perdeu, ela fornece à cultura
brasileira um de seus traços
fundamentais: a saudade do
que ainda não é".
BRASÍLIA
Autor: Marcel Gautherot
Organização: Sergio Burgi e Samuel
Titan Jr.
Editora: Instituto Moreira Salles
Quanto: R$ 85 (192 págs.)
AS CONSTRUÇÕES DE BRASÍLIA
Quando: de terça a sexta, das 13h às
20h; sáb., dom. e feriados, das 11h às
20h; até 25 de julho; livre
Onde: Instituto Moreira Salles - Rio (r.
Marquês de São Vicente, 476, tel. 0/
xx/21/3284-7400)
Quanto: entrada franca
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