São Paulo, sábado, 01 de maio de 2010

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Popular, Zatopek viveu o céu e o inferno do comunismo

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele não gostava de corrida e não tinha a técnica e a elegância dos concorrentes -treinava em meio à natureza, sob sol, chuva ou neve. Emil Zatopek (1922-2000) tinha o perfil de um anti-herói, mas se tornou um dos esportistas mais populares da história. Ganhador em 1999 do Goncourt, mais importante prêmio literário francês, Jean Echenoz falou à Folha, por telefone, sobre a dificuldade em reconstituir sua vida. "Não havia livros sobre ele." (MFP)

 

FOLHA - Por que decidiu recontar a vida de Zatopek?
JEAN ECHENOZ
- Pensava em trabalhar a figura de um esportista lendário e pensei em várias possibilidades. Mas o que me interessou foi a corrida a pé -de certo modo, o esporte mais pobre, mais humilde que existe.

FOLHA - O livro faz um paralelo nítido entre a vida do corredor e o contexto histórico -ocupação alemã, comunismo, Primavera de Praga e invasão soviética. Era inevitável?
ECHENOZ
- Isso se impôs porque ele foi ao mesmo tempo um modelo e uma vítima de regimes políticos autoritários sucessivos. Sua existência estava muito ligada aos contextos político e social em que viveu.

FOLHA - Então, para ele, correr era um modo de libertação da contingência histórica?
ECHENOZ
- Sim. Mas é curioso, pois correr não era uma vocação. Mas se tornou um modo de existir naquele sistema e talvez um modo de se evadir.

FOLHA - Por que o sr. o descreve como uma figura paradoxal, doce e diabólica ao mesmo tempo?
ECHENOZ
- Porque era um personagem extraordinariamente simples e modesto e, ao mesmo tempo, de extrema combatividade em seu esporte. Não era de modo nenhum arrogante e dominador, como é comum nesse meio, e era humilde tanto com seus concorrentes diretos quanto com sua equipe e com os jornalistas.

FOLHA - Ele era um anti-herói?
ECHENOZ - Sim, e foi o que me
interessou nele. Era um personagem mítico, mas que sempre se colocava num lugar muito discreto.

FOLHA - O sr. descreve sua passagem no Brasil como algo que o fascinou muito. Por quê?
ECHENOZ
- Foi uma das primeiras vezes em que foi autorizado a viajar para o exterior. Descobriu aí, sem dúvida, um sentimento de libertação.

FOLHA - Onde o sr. pesquisou sobre sua estada no Brasil?
ECHENOZ
- Decidi pesquisar nos arquivos do "L"Équipe", principal diário esportivo da França, nas edições de 1945 a 1954, buscando sistematicamente tudo o que dizia respeito ao atletismo e copiando tudo o que dizia respeito a ele. A reconstituição de seu percurso vem exclusivamente daí.

FOLHA - E quanto tempo isso lhe tomou?
ECHENOZ
- Quatro ou cinco meses. Ia diariamente à Biblioteca Nacional, em Paris, e passava os dias olhando os microfilmes.

FOLHA ONLINE
Leia a cobertura que a "Folha da Tarde" fez da corrida de São Silvestre de 1953, que teve a participação de Zatopek
www.folha.com.br/101201


CORRER

Autor: Jean Echenoz
Tradução: Bernardo Ajzenberg
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 29,90 (124 págs.)




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