|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Flip consagra o escritor-celebridade
Festa literária de Paraty, que começa na quarta, segue tendência de festivais em que autores "globetrotters" dão "show'
Escritores comentam atual necessidade de freqüentar eventos literários em diversos países para promover seus livros
EDUARDO SIMÕES
MARCOS STRECKER
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não é à toa que o encontro literário de Paraty, que começa
na próxima quarta-feira na cidade fluminense, tem nome e
status de festa. A Flip chega à
sua quinta edição seguindo
uma transformação internacional no modo como a literatura é consumida no planeta.
Em sua natureza tido como
atividade solitária, o ofício de
escritor cada vez menos tem a
ver com a idéia de um sujeito
entretido em seu mundo particular, sentado numa escrivaninha ou à sombra de uma árvore,
estudando ou refletindo em
busca de inspiração. Tampouco
os leitores têm tido no hábito
de ler, como antigamente, uma
experiência íntima e reflexiva.
A literatura virou show. Cada
vez mais as editoras pedem aos
escritores que façam parte de
um jogo em que têm de vender
seus livros em eventos internacionais, com palestras, entrevistas e atividades interativas
com o público. Os leitores, por
sua vez, já aceitaram a idéia de
serem fãs de escritores-celebridade, reconhecidos não só por
sua literatura, mas por sua capacidade de subir num palco e
entreter uma platéia.
O time de autores que desembarca na Flip na semana
que vem não é diferente. Para
grande parte deles, Paraty é
apenas mais uma parada de um
crescente circuito de festas,
festivais e que tais literários.
O escritor angolano José
Eduardo Agualusa, que, só neste ano já esteve na Itália e na
França e estuda convites do Fórum das Letras de Ouro Preto e
da Fliporto (Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas) diz que é difícil dizer
"não" quando é convidado a falar num lugar como Paraty, onde se pode, ao mesmo tempo,
tirar "pequenas férias".
"Gosto de performance"
Para o britânico Will Self, outro freqüentador de festas literárias internacionais, existe
mais pressão do mercado hoje
para que o escritor assuma um
papel de showman.
Mas ele defende a estratégia
das editoras para expor seus
produtos. "A cada 40 segundos,
um livro está sendo publicado
no mundo!" Self se diz confortável com um microfone na
mão. "Já estudei pra ser ator,
fiz comédia "stand-up" e toquei
numa banda de rock. Gosto de
performances."
Arroz-de-festa assumido dos
eventos literários nacionais,
Marcelino Freire, que apresentará na Flip um show inspirado
no livro "Cantos Negreiros",
acha que os festivais são uma
chance de um autor conquistar
mais leitores. "Hoje, para uma
pessoa ler um livro seu, precisa
abandonar mais de 120 canais
de TV, o DVD e seus extras, os
sites pornográficos etc. e tal. Eu
vou atrás, sim, buscar esse leitor à unha."
Neste ano, a Flip recebe a figurinha fácil da vez no circuito
internacional, o novato Ishmael Beah, serra-leonês de 26
anos. Antes de chegar a Paraty,
o autor terá ido lançar "Muito
Longe de Casa - Memórias de
um Menino Soldado", em Berlim, Paris, Roma e Nova York.
Dos EUA, a agente de Beah
disse que ele não estaria disponível para dar entrevistas antes
de chegar aqui justamente por
estar "viajando intensamente".
Mas será que tantas viagens
não atrapalham a produção dos
autores? Será que eles não deveriam usar o tempo gasto em
festivais para exercer seu ofício, ler e escrever?
"Viajar só atrapalha se o escritor deixar. Se você está a trabalhar num livro novo e acha
que não deve sair, não deve
aceitar ir a um encontro. É importante dizer não às vezes",
diz Agualusa.
O angolano considera que, se
o autor for descuidado, as viagens podem virar um tiro no pé.
"Se o escritor não produz, deixa
de ser convidado porque não
tem produção que chame a
atenção dos leitores."
A espanhola Rosa Montero já
havia apontado o problema na
Flip de 2004. A escritora disse
que tinha começado a escrever
porque não conseguia falar. E
que hoje, curiosamente, precisava falar para continuar escrevendo. Também comparou os
escritores a "estrelas de rock,
que viajam o tempo todo".
Opinião sobre tudo
Um caso exemplar é o do escritor polonês Ryszard Kapuscinski (1932-2007). Ele passou
a vida viajando para escrever e,
no final dela, já não agüentava
mais a idéia de estar constantemente "on tour".
Em entrevista em dezembro
do ano passado, disse: "Antigamente, um escritor podia deixar uma obra de cem volumes.
Hoje, se ele fizer meia dúzia de
livros está ótimo, pois o resto
de seu tempo é tomado por viagens para promover suas próprias publicações. É constante
a demanda da sociedade para
que comentemos o noticiário,
as guerras, o terror. Coisas sobre as quais às vezes não estamos muito por dentro".
Como Kapuscinski, o português António Lobo Antunes
não gosta da idéia de ser uma
"figura institucional", que opina sobre variados temas externos à sua obra.
Lobo Antunes já declarou
que não tem tempo para a "parte mundana" que acompanha a
literatura. "Não faço promoção,
viajo pouco, o menos que posso", disse o escritor.
Para o crítico Silviano Santiago, que estará na Flip, a era
do escritor-celebridade é um
fato. "Mas trata-se de uma tendência já estabelecida na indústria cultural. Já acontece com o
cinema, com a música. E só
agora chega à literatura."
O escritor, ator e roqueiro
Will Self acha que, mesmo que
os eventos literários passem a
ser comparáveis a espetáculos,
falta muito para que a literatura possa se igualar ao showbiz.
"Quem dera! Se fosse assim haveria mais grana! Acho que a literatura hoje parece mais com
os primórdios do cristianismo,
quando se lutava por fiéis contra as forças da Babilônia."
Texto Anterior: Nas lojas Próximo Texto: Saiba mais: "Pai" de festa cria franquias pelo mundo Índice
|