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SEDE DE QUÊ?
"Sabor" e pureza podem definir qualidade de pratos e de bebidas
Água é "subestimada" no Brasil
LUIZ HENRIQUE HORTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
No reino da abundância foodie,
uma das mais recentes maluquices -surpresa!- é a água. Essa
mesma, que damos como certa ao
abrirmos a torneira, está virando
moda e obsessão, com gente que
paga caro por algumas mais raras,
faz curso de degustação, estuda a
harmonização com comidas como se fossem vinhos.
Um certo exagero. No site
www.bottledwaterweb.com, mediante assinatura mensal de US$
1.600 (somente nos Estados Unidos, no exterior passa por consulta...), você passa a receber um kit
em casa com 60 diferentes tipos
de águas minerais, algumas de
fontes minúsculas e perdidas numa geleira ou no deserto. E, por
falar em deserto, esse é o panorama de São Paulo no assunto.
Há um bar de águas, recentemente inaugurado no Empório
Santa Maria, que oferece poucas
escolhas. Percorrendo as mercearias e casas especializadas em importados, é possível recolher, no
máximo, três dezenas de marcas,
sendo difícil até comprar as nacionais de maior qualidade, como
a Cambuquira e a Caxambu. Não
precisamos chegar à obsessão,
mas algumas escolhas a mais seriam benéficas, pelo menos para
satisfazer a curiosidade.
Das 11 citadas por Jeffrey Steingarten no "Homem que Comeu
de Tudo" (ed. Cia. das Letras) como as melhores do mundo, não
foi possível encontrar nenhuma
sequer, nem as mais populares,
como a alemã Volvic ou a italiana
Fiuggi. Fazem falta também as ultradigestivas Vichy-Célestins, a
Vichy-Catalan e a belga Spa.
Mesmo assim, vale a pena fazer
uma degustação em casa com as
que estão disponíveis, para descobrir que existem características
em cada uma e, num valioso exercício de treinamento dos sentidos,
achar um sabor para cada.
Ao contrário do que aprendemos na escola, água tem gosto
-sutil, quase indiscernível, mas
tem. É possível perceber as mais
salgadas, as mais redondas, as que
matam mais a sede. Há águas melhores do que outras, o conteúdo
de minerais e sais varia muito entre elas. Nas mais ricas, há de cálcio a lítio (a São Lourenço, por
exemplo, é saborosa, barata e tem
lítio; e, por pertencer à Perrier, é
uma versão nacional da mais famosa água do mundo).
Nos restaurantes há pouco interesse no assunto. A água é como
uma coisa que o garçom serve
mecanicamente e que sorvemos
da mesma forma, enquanto nos
ocupamos do pato. E não custa
lembrar: somos percentualmente
mais água do que tudo -mais
que patos, com certeza.
É divertido ver a surpresa das
pessoas quando se pede a "carta
de águas" em alguns lugares da cidade. Você recebe respostas perplexas, engraçadas ou impublicáveis, e algumas, felizmente, honestas, como a de Fabiano Aureliano, sommelier do A Figueira
Rubaiyat: "Água é água, se é pura,
está bem. Vinho é que combina
de verdade com boa comida". Dito, sem afetações.
É preciso lembrar também que
água é usada para cozinhar, e um
gosto de plástico ou de cloro pode
arruinar um prato ou um chá delicado. Ricardo Cunha, chef do
Produções Culinárias, sublinha a
necessidade de usar as minerais
engarrafadas para preparos que
não são fervidos, um cuidado de
saúde neste país das contaminações e uma garantia de neutralidade: água não é tempero.
Além de produto gourmet, água
é vital. A Organização Mundial de
Saúde, nos seus guias de alimentação, admite que cheiro e sabor
já não são excludentes na qualificação das águas, aceitando como
potáveis aquelas que não contenham bactérias e microrganismos nocivos, ampliando a quantidade dentro dos padrões, para
responder à crescente falta do
produto. Mais do que chique, a
água pura está se tornando um luxo; há lugares em que é tão escassa que chega a ser traficada. Mart
de Villiers conta em "Água" (ed.
Ediouro) que na sua Botsuana natal ele pensava que o mecanismo
que a retirava do poço fundíssimo
é que "fabricava" a substância.
Levemos isso em consideração.
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