São Paulo, sábado, 1 de agosto de 1998

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Recluso, escritor foi alvo das mais estapafúrdias especulações

especial para a Folha

Como o protagonista de "O Arco-Íris da Gravidade", seu autor também se tornou o centro das atenções internacionais, um verdadeiro fenômeno a ser perseguido por todos -mas no seu caso, e para sua felicidade, conseguiu driblar o assédio da observação pública durante mais de 30 anos.
Desde a publicação de seu primeiro romance, "V.", em 1963, Thomas Pynchon passou a fugir da mídia com uma ojeriza proporcional à histeria que sua figura reservada inversamente ia despertando numa cultura cada vez mais dominada pelo marketing. Afinal, o que pode restar à publicidade e à promoção de livros cuja leitura está longe de ser acessível senão um mistério em torno do autor, cuja única foto conhecida data de 1955, quando ele estava na Marinha?
Seguindo os passos de Salinger, outro célebre recluso no país do marketing, Pynchon se tornou o escritor mais procurado pela mídia, e não é de espantar que seus editores tenham babado de contentamento com os efeitos lucrativos de sua misantropia. Na sua recusa de aparecer, de dar entrevistas e de se deixar fotografar, o escritor não poderia ter servido como um melhor garoto-propaganda de si mesmo.
O mistério em torno desse autor chegou ao ponto de alimentar os boatos mais estapafúrdios, não deixando nada a dever aos temas das suas próprias ficções e fazendo eco à paranóia que costuma guiar seus personagens.
Só para se ter uma idéia, já foi dito que ele não existia e seus livros eram escritos por um grupo de autores ou mesmo que era ele o Unabomber.
Mas só até ser descoberto em 96, às vésperas de completar 60 anos, sem maiores esforços por parte de uma jornalista da revista "New York". Estava vivendo numa pacata rua de Manhattan, com a mulher, a agente literária Melanie Jackson e o filho pequeno.
Contribuindo para dissipar o mito de si mesmo, nos últimos tempos Pynchon chegou a colaborar com a imprensa -com um ensaio sobre a preguiça para o "The New York Times Book Review", publicado em 93, e uma entrevista com a banda de rock Lotion para a revista "Esquire".
Ao contrário de seus livros, não há nada de extraordinário na biografia do autor. Nascido sob o signo suburbano de Long Island, filho de um superintendente de estradas de rodagem, Pynchon serviu na Marinha entre 55 e 57 e se formou, com um diploma de inglês, na Universidade de Cornell, em 58.
Trabalhou como escritor técnico para a Boeing em Seattle, foi fã ardoroso dos beatniks, em especial de Jack Kerouac e seu "On the Road", mudou-se para o México, depois para a Califórnia e por fim de volta para Nova York.
A publicação de "O Arco-íris da Gravidade" no Brasil pode servir como um parâmetro saudável para desviar um pouco a atenção e o foco da mistificação da figura do autor para o que realmente importa: uma obra que bebe na cultura pop, mas tem aspirações metafísicas dignas de um Melville.
Depois de "V.", Pynchon publicou três romances (veja quadro acima), além da obra-prima "O Arco-Íris da Gravidade" (1973) e de uma coletânea de contos, "Slow Learner" (1984). Os direitos de "Mason & Dixon" para o Brasil foram adquiridos pela Companhia das Letras, que ainda não tem previsão para o seu lançamento.
Sempre haverá alguém, como o americano Harold Bloom, para se considerar desiludido, após a surpresa dos primeiros livros, com os caminhos da obra de Pynchon, sobretudo a partir de um romance tão aguardado como "Vineland".
Mesmo assim, diante da evidência inovadora de "O Arco-Íris da Gravidade", seguir interessado nas idiossincrasias pouco interessantes da vida e do comportamento do escritor só atesta as limitações e a mediocridade da mídia e de uma cultura da informação entorpecida pelo marketing.
Confrontadas com um romance como "O Arco-Íris da Gravidade" todas as outras discussões sobre seu autor se tornam desprezíveis, e um tanto ridículas.
Porque esse é um texto que leva a pensar grande. Ler um livro como esse é uma felicidade, pelo menos para quem não se contenta com a exiguidade do mundo viciado que o mercado cultural tem a oferecer.
(BERNARDO CARVALHO)


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