São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Série "Big Love" retoma fórmula com ousadia

Produção da HBO aborda família e faz retrato aberto da sexualidade e poligamia

Produzida por Tom Hanks, atração tem nomes como Bill Paxton, Chloë Sevigny, Jeanne Tripplehorn e Harry Dean Stanton no elenco

CASSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Um veículo de entretenimento para toda a família nas suas origens, a TV americana se tornou nas últimas décadas um nicho peculiar da representação sem pudores das transformações desse tipo de agrupamento humano, demasiado humano.
Ao mesmo tempo, os criadores de séries, diante da necessidade constante de inovar para manter a legião crescente de aficionados, retomaram o esquema do grupo (que já existia desde as origens do gênero, com "I Love Lucy") como fórmula ficcional aparentemente inesgotável. Pois é a base coletiva, que vai desde o ambiente de trabalho (como em "The Office") até os sobreviventes de um desastre aéreo (como em "Lost"), que permite aos roteiristas explorar ao longo de várias temporadas as conexões e desdobramentos que unem um bom número de personagens.
Nesta fórmula, o grupo familiar disfuncional tornou-se uma marca registrada das produções da HBO. Aquilo que já havia dado certo com "Família Soprano" e "A Sete Palmos" retorna agora com um grau a mais de ousadia em "Big Love".
Num primeiro olhar, esta série chama a atenção por explorar um tema aparentemente transgressivo como a poligamia. Por trás do recurso anedótico, o que ela trata é a dinâmica dos relacionamentos, as estruturas de poder e de influência, o lugar do homem, da mulher e dos filhos em diversas fases etárias com a mesma franqueza com que "Família Soprano" aborda a crise do macho.
Da série criada por David Chase a esta ficção assinada por Mark V. Olsen e Will Scheffer abre-se um novo passo no conceito de família. Enquanto nos Sopranos laços sangüíneos e criminais se indistinguiam, a família de Bill Henrickson constitui-se de três casas, mantidas paradoxalmente unidas por valores de um cristianismo fundamentalista.

Valores coletivos
Neste universo, o que mais salta à vista é como aspirações pessoais e valores coletivos convivem aos trancos e barrancos. E o que é mais importante, tanto nesta quanto nas produções anteriores da HBO, é o tratamento singular dado a cada personagem, num efeito especular das transformações individuais dentro da sociedade americana, em primeiro plano, mas que se aplica a outras, como a nossa. Como outras séries que retiram daí boa parte de seu interesse, "Big Love" aposta de maneira quase obsessiva nas fissuras crescentes da subjetividade contemporânea.
O retrato aberto da sexualidade (como a entrada em cena do Viagra já no episódio piloto, que culmina com uma situação bastante cômica de ereção) é a ponta mais visível desse iceberg, mas há outros, não menos fortes, sendo trabalhados.
É o caso dos transtornos psíquicos, como as compulsões, retratadas nas personagens Nicki (Chloë Sevigny, memorável) e Margene (Ginnifer Goodwin). A primeira, consumida pela fome do consumo até o limite de comprometer suas finanças; a segunda, gordinha, aparece como uma vigilante obsessiva do peso.
Com esse tipo de ênfase, "Big Love" chega para integrar o primeiro time das séries de TV que se consolidaram, como aponta o especialista Martin Winckler em "Les Miroirs de la Vie" (os espelhos da vida), "como um palácio de espelhos que reflete com acuidade os deslocamentos da sociedade, submetendo-a a deformações, transformações e releituras que se destinam a revelar de modo mais claro seus fantasmas, suas ideologias e suas faces escondidas".


BIG LOVE Quando: hoje (23h), no HBO; reprises às terças (21h)


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