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Crítica
Diretora aprofunda sua linguagem poética
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O cinema de Lina Chamie, como já havia ficado claro em seu primeiro longa-metragem, "Tônica Dominante" (2000), é menos narrativo do que poético e
musical. Em "A Via Láctea" a
diretora amadurece e aprofunda esse seu modo de encarar "o
mundo que é" e "o mundo que
poderia ser".
A partir de uma situação dramática forte -um amante que
atravessa a metrópole em busca da amada, com quem discutiu ao telefone-, o filme desdobra cadências, harmonias, contrapontos e dissonâncias.
Não é à toa que um dos livros
citados ao longo da odisséia urbana de Heitor (Marco Ricca)
seja "Fragmentos do Discurso
Amoroso". O filme, de certo
modo, realiza no plano audiovisual uma operação análoga à do
livro de Barthes ao identificar,
glosar e desconstruir motivos,
tropos e clichês do relacionamento amoroso.
A viagem de Heitor em busca
de Júlia (Alice Braga) é mais
musical do que geográfica. Não
só porque é pontuada por peças
de Mozart, Schubert, Satie, Jobim e Manu Chao, mas porque
sua progressão não é linear, e
sim feita de tema e variações,
de motivos recorrentes, de rimas visuais e sonoras.
É um deslocamento inverossímil (o protagonista demora
horas para percorrer a avenida
Paulista), mais espiritual -em
falta de palavra melhor- do
que físico. Chamie não está
preocupada com o realismo de
um draminha psicológico urbano. Seu horizonte é cósmico e,
no limite, metafísico.
Não é um filme perfeito, e
nem poderia, em se tratando de
uma obra de risco. (Arriscar
implica também errar, embora
nem sempre nos lembremos
disso.) Uma certa redundância
da locução em "off", em que o
protagonista externa pensamentos tornados mais ou menos evidentes pela imagem, indica talvez um receio de perder a inteligibilidade. O mesmo vale para um recurso excessivo
aos "flashbacks", que em alguns
momentos quase afrouxam a
tensão do relato. No mais, "A
Via Láctea" é um banho de invenção em meio a um cinema
preocupado demais em agradar
aos espectadores de TV.
A VIA LÁCTEA
Direção: Lina Chamie
Produção: Brasil, 2007
Com: Marco Ricca, Alice Braga
Onde: estréia amanhã no Espaço Unibanco, HSBC Belas Artes e em circuito
Avaliação: ótimo
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