São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Nem tão fantástico

Programa da Globo registra a pior audiência de sua história; especialistas culpam novas mídias e esgotamento do formato do "Fantástico" (1973)

Divulgação
Bailarinas na primeira abertura do "Fantástico" (1973)

AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO

RODRIGO RUSSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Há 36 anos como principal atração de domingo da Globo, o "Fantástico" registrou as piores médias de audiência de sua história neste ano. No último domingo, chegou a 17,6 pontos de média na Grande São Paulo, abaixo de outro momento crítico, quando fez 17,8 na estreia do reality show "Casa dos Artistas", do SBT, em 2001. Também é de 2009, no início de outubro, sua terceira pior marca, de 18,1 pontos de média.
A queda no Ibope do programa da Globo acontece em momento em que os concorrentes pulverizaram a audiência entre 20h e meia-noite de domingo. A Record tem média de 13,1 pontos, o que lhe dá o segundo lugar com o "Programa do Gugu", que estreou em 30 de agosto. Já o SBT, que ocupa parte do horário com o "Programa Silvio Santos", tem 9,8 pontos. A Rede TV!, com o "Pânico na TV!" das 21h às 23h30, faz 8,6 pontos (veja quadro nesta página).
A baixa no Ibope significa que o formato de programas como o "Fantástico" esteja em crise? Ou que a concorrência ficou realmente fortalecida? Eugênio Bucci, professor de jornalismo da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes), levanta a hipótese de que o formato do programa, uma revista semanal eletrônica, generalista, possa estar esgotado.
"Há 30 anos, a TV tinha menos opções, menos canais e menos competição. Ali, essa fórmula de revista não era banal, mas sim interessante", diz Bucci. Com a segmentação, ele acredita que os programas têm de ter nível de especialização.
Para ele, pode ser difícil para o público identificar "a cara do "Fantástico" hoje", enquanto sabe com mais facilidade o que esperar dos concorrentes.
Essa avaliação é similar à de Muniz Sodré, especialista em comunicação e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio). Para Sodré, a queda de audiência do "Fantástico" se deve à "saturação da forma". "O "Fantástico" fez bem seu papel durante muitos anos, mas tem um momento em que todo formato se satura, como se tivesse dado tudo o que tinha que dar."

Mudança de público
Segundo Sodré, com a internet e a "possibilidade de cada um participar da elaboração da informação", altera-se pouco a pouco a relação segundo a qual um centro irradia notícias e informações e outro só recebe.
"A participação na construção da notícia, pelo comentário nos blogs, por exemplo, obriga uma mídia centralizada, como a TV, a redefinir seus públicos", afirma. "O público amplo de massa dos anos 1970 se constitui em comunidades a partir dos anos 1980. A grande mídia não parece ter notado isso."
Sodré continua: "Não acho que essa pulverização [de audiência] seja eterna, mas agora, em função da internet, estamos vivendo isso".
Marcio Oliveira, vice-presidente da agência de publicidade Lew, Lara, ameniza a situação do programa em relação ao mercado publicitário: "A pior audiência do "Fantástico" ainda é muito grande", diz. Para ele, o mercado ainda não vê como problema a queda da última semana, mas Oliveira entende como crucial o comportamento da audiência durante a exibição das novas temporadas dos realities "A Fazenda", da Record, e do "BBB", da própria Globo.
"No domingo à noite, as pessoas estão querendo relaxar, não esquentar a cabeça, o que foge do conteúdo sério apresentado pelo programa", opina. Para ele, o "Pânico na TV" ganha força com esse movimento.
Ser "uma pedra no sapato" da Globo é motivo de orgulho para Alan Rapp, diretor do "Pânico", humorístico que nas últimas seis semanas alcançou por alguns minutos (24 no máximo) o primeiro lugar na audiência.
"Há um ano, a gente achava quase impossível ficar em primeiro lugar no horário do "Fantástico'", diz Rapp. Homero Salles, diretor do "Programa do Gugu", da Record, vê na distribuição do público a explicação para a perda de liderança do concorrente.
"Não acho que devemos considerar apenas a queda do "Fantástico". Eu assisto, e acho que está normal. Não tem problema com o programa. Podem estar procurando chifre em cabeça de cavalo", diz.
"Entrou um "player" novo, que é o Silvio Santos. Veio um reforço para a Record [Gugu] e o "Pânico" está atravessando fase muito boa. Seria simplista dizer que o "Fantástico" caiu.
Sem querer puxar para o lado do meu programa, creio que os números baixos do "Fantástico" se devem à ascensão da concorrência. Não é queda de qualidade nem crise de identidade." O desempenho no Ibope levou o dominical da Globo a formar mutirão de emergência: convocou repórteres e profissionais de jornalismo para produzir conteúdo com assuntos policiais.
Em novos quadros do programa, como "Liga das Mulheres", "Cinco Meninas e um Vestido" e "Reunião de Condomínio", há a tendência de apostar na proximidade com a vida do telespectador. Nos últimos oito domingos, cinco quadros entraram na atração.
A proposta inicial dos criadores do "Fantástico" -José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e Walter Clark, responsáveis pelo "padrão Globo de qualidade"- era mesclar jornalismo e entretenimento. "Fazíamos musicais bonitos, ousados.
O programa tinha bastante liberdade cultural", lembra o cineasta Domingos Oliveira, que dirigiu quadros de sucesso do "Fantástico" nos anos 1970.


Colaborou THIAGO NEY , da Reportagem Local


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Comentário: Atração era cosmopolita entre concorrentes provincianos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.