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FOTOGRAFIA
Chega às livrarias 'Antropologia da Face Gloriosa', da Cosac & Naify, com 161 rostos de Carnavais cariocas
Arthur Omar cataloga êxtase brasileiro
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Arthur Omar tem elaborado
uma verdadeira teoria da imagem
com experiências múltiplas em cinema, vídeo e fotografia, conjugando às vezes esses meios em exibições ou instalações.
Essa tendência para desestabilizar fronteiras, inaugurada com o
"metacinema" do longa "Triste
Trópico", de 74, avança agora para as artes plásticas com o livro-objeto "Antropologia da Face
Gloriosa", da editora Cosac &
Naify, que chega às livrarias.
Catálogo do êxtase no Carnaval
brasileiro, um rosário de fevereiros de 1973 a 1996, a coleção de 161
ampliações de rostos em preto-e-branco, com títulos, empurra
a fotografia para a pintura -por
meio de técnicas não-ortodoxas
de exposição, revelação etc.
Ao mesmo tempo, a complexa
intersecção de sentidos poéticos
entre palavra e imagem faz de
"Face Gloriosa" um livro de grande força conceitual, mais ou menos na trilha das edições idealizadas pela artista americana Barbara
Kruger ("Love for Sale" etc.).
Porém enquanto Kruger investe
em choques dadaístas entre as significações de imagens e palavras,
gerando ruídos políticos-sociais,
Omar envereda pela superposição
e/ou desvelamento de signos no
corpo do objeto, colocando sob
seu microscópio matrizes para
uma "investigação antropológica", mais do que ensaio político.
Ao mesmo tempo, como indica
prefácio de Ivana Bentes para essa
bela edição bilíngue português-inglês, para trazer à luz a "face gloriosa", Omar faz paralelo com a
estética mística cristã -da espanhola Teresa d'Ávila ou do alemão
Jacob Boehme, por exemplo.
Segundo esse paralelo, o artista
estaria se encarregando de fixar,
com sua câmera, o êxtase fugaz
que um dia se tornará eterno nos
"corpos gloriosos", ou seja, após
a ressurreição.
Contudo, na obra de Arthur
Omar, o êxtase espiritual partilha
da mesma natureza do transe dionisíaco, produzido por "embriaguez, fascinação, paixão, comoção, desvario ou frenesi", no quadro da manifestação carnavalesca.
Os títulos acoplados às imagens
sublinham o paradoxo: "Sem o
Mestre É Impossível Chegar Lá",
diz a linha abaixo do close de integrante de ala de índios; "Pintado
para Pensar" é a sugestão sob menino mestiço pintado como nativo
sul-americano; ou, ao lado de travesti empastelado de maquiagem,
"Deus Pode Ser um Ator", título
que remete ao teatro ritual-extático de Antonin Artaud.
Sobre o "modus operandi" para
conseguir série tão extensa de
imagens viscerais, o artista esclarece: "Para flagrar o êxtase que
cruza o homem com velocidade
vertiginosa, além de sua capacidade de tomar consciência desse estado, o fotógrafo se deixa operar
possuído por seu próprio êxtase".
Segundo Omar, que pretende
continuar a série este ano, apenas
um clique de cada modelo é realizado: "É uma fotografia não-visual, inconsciente, à maneira do
arqueiro zen, que não mira a chama da vela, mas atinge-a de olhos
vendados, com um único disparo". Assim, houve filmes de 36 poses em que apenas uma foto foi
aproveitada e outros, em momentos mais inspirados, que geraram
até 20 ampliações.
Não há intervenção de computação gráfica, mas "apenas o velho
processo fotográfico artesanal",
diz o artista-xamã, que arrematou
"Face Gloriosa" com um auto-retrato e um título que explicita o arrebatamento em que costuma
atuar: "Não te Vejo com a Pupila,
mas com o Branco dos Olhos".
Livro: Antropologia da Face Gloriosa
Autor: Arthur Omar
Editora: Cosac & Naify (tel. 011/864-4134)
Quanto: R$ 55 (240 págs.)
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