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Cinema/estréias - Crítica/"Notas sobre um Escândalo"
Bom elenco dá força a drama inglês
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
É preciso assistir a "Notas sobre um Escândalo" com dois pés atrás.
O primeiro: filmes em que os
atores principais são anunciados como ""sir" Fulano de Tal" e
"dame" Sicrana da Silva". Para
a subserviente imprensa de entretenimento norte-americana, para a indústria do entretenimento dos EUA em geral, a
Inglaterra representa não o ex-opressor cuja derrota inspiraria a criação desse país, mas
uma idéia de nobreza perdida.
Daí o fato dos membros do
Império Romano, os cavaleiros
das Cruzadas e as entidades
mais iluminadas do espaço sideral serem representados
quase sempre por atores com
sotaque britânico.
Assim, seus títulos nobiliárquicos devem ser grudados aos
nomes como o insuportável
"Academy Award Winner Fulano de Tal" ou, mais comum,
"Academy Award Nominee José das Couves", que os locutores de trailers falam com aquela
voz rouca e falsamente animada antes de anunciar o elenco
de tal e qual filme.
Pois "Notas" tem tanto uma
"Academy Award Nominee/
Winner" (Cate Blanchett, três
vezes indicada, um Oscar)
quanto uma "dame" que também é "Academy Award Nominee/Winner" (Judi Dench, seis
vezes indicada, um Oscar).
Caso real
O segundo pé atrás é o livro
de Zoë Heller no qual o filme se
baseia, "Anotações sobre um
Escândalo" ("What Was She
Thinking - Notes on a Scandal",
Record, 2006). Apesar de ser
ficção, guarda uma incômoda
semelhança com um caso real.
Em 1997, a professora Mary
Kay Letourneau, 34 anos, casada, com três filhos, se envolveu
com um de seus alunos, Vili
Fualaau, de 12, em Seattle, nos
Estados Unidos.
O caso foi coberto à exaustão
pela imprensa, os dois se tornaram celebridades dos tablóides.
Ela foi condenada, cumpriu sete anos e meio e, assim que foi
solta, em 2005, se casou com o
menino, hoje com 22 anos. Pois
bem, não é essa a história do filme/livro. Mas é quase.
A professora de artes Sheba
(inglês para Sabá, como a rainha bíblica) se envolve sexualmente com um aluno menor de
idade numa escola de Londres.
É descoberta por Barbara,
uma professora prestes a se
aposentar que não assume sua
homossexualidade, mas tem
em sua história uma outra
grande paixão por outra jovem
professora.
Solitária e observadora, usa o
seu vasto tempo livre para escrever diários, nos quais conta
detalhes da vida de sua gata velhinha e de tudo o que se passa
ao seu redor. Quando descobre
o caso da colega, percebe que o
conhecimento da escapadela
pode lhe dar o poder para tentar chantageá-la e, quem sabe,
fazê-la se apaixonar por ela.
Sheba faz como Barbara
quer, promete o que ela pede,
que o caso seja rompido, e até
inicia uma amizade com a veterana. Mas está envolvida demais tanto com o garoto quanto
com sua vida familiar, às voltas
com a filha adolescente e um filho com síndrome de Down, e
não atende a todos os pedidos
da amiga na hora em que ela
quer. Daí virá o tal escândalo.
Pois o filme é bom. Muito
bom. Principalmente por conta
das interpretações da "ganhadora da academia" Cate Blanchett, como Sheba, e da dama
Judi Dench, como Barbara. Some a isso o impecável Bill
Nighy como o marido mais velho, e pronto.
Nighy, aliás, não é "sir" nem
"indicado a" ou "ganhador de
Oscar", mas um dos melhores
atores britânicos hoje, com
uma paleta de interpretação
que vai da suavidade de "The
Girl in the Café" (2005), como o
diplomata reprimido, à comicidade de "Simplesmente Amor"
(2003), como o impagável roqueiro decadente Billy Mack.
"Notas sobre um Escândalo"
é dirigido por Richard Eyre, do
ótimo "Iris", a história real da
novelista Iris Murdoch e de seu
marido, o também escritor
John Bayley, e a luta do casal
contra o Alzheimer, que acaba
por tomar completamente a escritora. A interpretá-la está ela,
a dama, Judi Dench.
NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO
Direção: Richard Eyre
Produção: Reino Unido, 2006
Com: Judi Dench, Cate Blanchett
Quando: a partir de hoje, nos cines Reserva Cultural, Sala UOL e circuito
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