São Paulo, sexta-feira, 02 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cinema/estréias - Crítica/"Notas sobre um Escândalo"

Bom elenco dá força a drama inglês

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

É preciso assistir a "Notas sobre um Escândalo" com dois pés atrás. O primeiro: filmes em que os atores principais são anunciados como ""sir" Fulano de Tal" e "dame" Sicrana da Silva". Para a subserviente imprensa de entretenimento norte-americana, para a indústria do entretenimento dos EUA em geral, a Inglaterra representa não o ex-opressor cuja derrota inspiraria a criação desse país, mas uma idéia de nobreza perdida.
Daí o fato dos membros do Império Romano, os cavaleiros das Cruzadas e as entidades mais iluminadas do espaço sideral serem representados quase sempre por atores com sotaque britânico.
Assim, seus títulos nobiliárquicos devem ser grudados aos nomes como o insuportável "Academy Award Winner Fulano de Tal" ou, mais comum, "Academy Award Nominee José das Couves", que os locutores de trailers falam com aquela voz rouca e falsamente animada antes de anunciar o elenco de tal e qual filme.
Pois "Notas" tem tanto uma "Academy Award Nominee/ Winner" (Cate Blanchett, três vezes indicada, um Oscar) quanto uma "dame" que também é "Academy Award Nominee/Winner" (Judi Dench, seis vezes indicada, um Oscar).

Caso real
O segundo pé atrás é o livro de Zoë Heller no qual o filme se baseia, "Anotações sobre um Escândalo" ("What Was She Thinking - Notes on a Scandal", Record, 2006). Apesar de ser ficção, guarda uma incômoda semelhança com um caso real.
Em 1997, a professora Mary Kay Letourneau, 34 anos, casada, com três filhos, se envolveu com um de seus alunos, Vili Fualaau, de 12, em Seattle, nos Estados Unidos.
O caso foi coberto à exaustão pela imprensa, os dois se tornaram celebridades dos tablóides.
Ela foi condenada, cumpriu sete anos e meio e, assim que foi solta, em 2005, se casou com o menino, hoje com 22 anos. Pois bem, não é essa a história do filme/livro. Mas é quase.
A professora de artes Sheba (inglês para Sabá, como a rainha bíblica) se envolve sexualmente com um aluno menor de idade numa escola de Londres.
É descoberta por Barbara, uma professora prestes a se aposentar que não assume sua homossexualidade, mas tem em sua história uma outra grande paixão por outra jovem professora.
Solitária e observadora, usa o seu vasto tempo livre para escrever diários, nos quais conta detalhes da vida de sua gata velhinha e de tudo o que se passa ao seu redor. Quando descobre o caso da colega, percebe que o conhecimento da escapadela pode lhe dar o poder para tentar chantageá-la e, quem sabe, fazê-la se apaixonar por ela.
Sheba faz como Barbara quer, promete o que ela pede, que o caso seja rompido, e até inicia uma amizade com a veterana. Mas está envolvida demais tanto com o garoto quanto com sua vida familiar, às voltas com a filha adolescente e um filho com síndrome de Down, e não atende a todos os pedidos da amiga na hora em que ela quer. Daí virá o tal escândalo.
Pois o filme é bom. Muito bom. Principalmente por conta das interpretações da "ganhadora da academia" Cate Blanchett, como Sheba, e da dama Judi Dench, como Barbara. Some a isso o impecável Bill Nighy como o marido mais velho, e pronto.
Nighy, aliás, não é "sir" nem "indicado a" ou "ganhador de Oscar", mas um dos melhores atores britânicos hoje, com uma paleta de interpretação que vai da suavidade de "The Girl in the Café" (2005), como o diplomata reprimido, à comicidade de "Simplesmente Amor" (2003), como o impagável roqueiro decadente Billy Mack.
"Notas sobre um Escândalo" é dirigido por Richard Eyre, do ótimo "Iris", a história real da novelista Iris Murdoch e de seu marido, o também escritor John Bayley, e a luta do casal contra o Alzheimer, que acaba por tomar completamente a escritora. A interpretá-la está ela, a dama, Judi Dench.


NOTAS SOBRE UM ESCÂNDALO    
Direção: Richard Eyre
Produção: Reino Unido, 2006
Com: Judi Dench, Cate Blanchett
Quando: a partir de hoje, nos cines Reserva Cultural, Sala UOL e circuito


Texto Anterior: Música: Maurício Takara lança disco pop experimental
Próximo Texto: Zoë Heller desaprova Barbara "maligna"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.