São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

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análise

Festival dá visibildade à pesquisa

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Em meio à profusão de propostas do Festival de Curitiba, duas se destacam, ilustrando o que de melhor se espera daquele que se apresenta como "o maior evento das artes cênicas brasileiras". Antes de tudo, por atrair grupos do Brasil inteiro, aqui se espera encontrar notícias de grupos "fora do eixo" que dêem provas de maturidade e competência em contar sua cidade para o mundo. Neste quesito, neste ano se destacou o Coletivo Angu de Teatro, de Recife, com "Angu de Sangue".
Alinhavo de contos de Marcelino Freire, transformados em dez monólogos interligados por recursos diversos como cantos, projeção de vídeo e teatro de animação, o espetáculo atinge um resultado marcante por várias razões. Primeiro, o texto de Freire tem humor certeiro e cruel, que expõe a intimidade de Recife como um espelho do país: uma miséria que se insurge orgulhosa, quase triunfante, contra uma ambígua classe média. O diretor Marcondes Lima soube dar uniformidade ao elenco, sem lugar para estrelismos, mas solidez no grupo, no qual se destaca o carisma de Gheuza Sena.
Tateante às vezes, há no espetáculo cenas antológicas como o estupro de uma criança narrado através de manipulação de boneco, com grande força e delicadeza. Assim, com a inventividade da encenação amenizando a dor do contato com o real, e o humor do texto afiado como um bisturi, a pústula da miséria irrompe como epifania.
Em outro quesito, o Festival possibilita que atores que seguem uma linha de pesquisa com paciência e abnegação tenham visibilidade. Caso de Thadeu Peronne, premiado em Curitiba, lapidado no teatro de rua, na commedia dell'arte e com Antunes Filho. Em "Os Bobos de Shakespeare", ele aproveita um texto simples, quase antologia de frases, para propor uma reatualização da técnica do bobo, um fascinante subuniverso da obra shakespeareana, entre clown, mais elaborado, e o bufão, mais cruel.
Já no início, mostra que domina a técnica do gromelot, língua imaginária, espécie de retórica abstrata que prepara a platéia para os floreios do texto. Em seguida, busca a forma mais adequada para o conteúdo de cada citação, indo do arquétipo do coringa do baralho até os bobos contemporâneos. Entre eles, faz rápida e respeitosa menção à figura da drag queen, em um personagem feito sem deboche fácil, mas que acaba "vazando" para as outras caracterizações. Merece atenção, pela pesquisa séria.


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