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análise
Festival dá visibildade à pesquisa
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Em meio à profusão
de propostas do
Festival de Curitiba, duas se destacam, ilustrando o que de melhor se
espera daquele que se
apresenta como "o maior
evento das artes cênicas
brasileiras". Antes de tudo, por atrair grupos do
Brasil inteiro, aqui se espera encontrar notícias de
grupos "fora do eixo" que
dêem provas de maturidade e competência em contar sua cidade para o mundo. Neste quesito, neste
ano se destacou o Coletivo
Angu de Teatro, de Recife,
com "Angu de Sangue".
Alinhavo de contos de
Marcelino Freire, transformados em dez monólogos interligados por recursos diversos como cantos,
projeção de vídeo e teatro
de animação, o espetáculo
atinge um resultado marcante por várias razões.
Primeiro, o texto de Freire
tem humor certeiro e
cruel, que expõe a intimidade de Recife como um
espelho do país: uma miséria que se insurge orgulhosa, quase triunfante,
contra uma ambígua classe média. O diretor Marcondes Lima soube dar
uniformidade ao elenco,
sem lugar para estrelismos, mas solidez no grupo,
no qual se destaca o carisma de Gheuza Sena.
Tateante às vezes, há no
espetáculo cenas antológicas como o estupro de uma
criança narrado através de
manipulação de boneco,
com grande força e delicadeza. Assim, com a inventividade da encenação
amenizando a dor do contato com o real, e o humor
do texto afiado como um
bisturi, a pústula da miséria irrompe como epifania.
Em outro quesito, o Festival possibilita que atores
que seguem uma linha de
pesquisa com paciência e
abnegação tenham visibilidade. Caso de Thadeu
Peronne, premiado em
Curitiba, lapidado no teatro de rua, na commedia
dell'arte e com Antunes
Filho. Em "Os Bobos de
Shakespeare", ele aproveita um texto simples, quase
antologia de frases, para
propor uma reatualização
da técnica do bobo, um
fascinante subuniverso da
obra shakespeareana, entre clown, mais elaborado,
e o bufão, mais cruel.
Já no início, mostra que
domina a técnica do gromelot, língua imaginária,
espécie de retórica abstrata que prepara a platéia
para os floreios do texto.
Em seguida, busca a forma
mais adequada para o conteúdo de cada citação, indo
do arquétipo do coringa do
baralho até os bobos contemporâneos. Entre eles,
faz rápida e respeitosa
menção à figura da drag
queen, em um personagem feito sem deboche fácil, mas que acaba "vazando" para as outras caracterizações. Merece atenção,
pela pesquisa séria.
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