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CRÍTICA
Terra nacional
SÉRGIO DÁVILA
Editor da Ilustrada
Criticar "Central do Brasil" é falar tanto da carreira de seu diretor,
Walter Salles, do cinema e da crítica nacionais quanto do filme.
O filme é bom. Com "Alma Corsária", de Carlos Reichenbach,
"Um Céu de Estrelas", de Tata
Amaral, e "Baile Perfumado", de
Ferreira e Caldas, está entre os melhores brasileiros da década.
(Mesmo que a década em questão não seja das melhores, e que o
cinema aqui continue renascendo
e renascendo -o problema do
Brasil em vários setores da cultura
ainda é a saúva e o gerúndio.)
"Central" existir do jeito que é já
constitui um feito; ter ganho Berlim, outro, quem vai negar? É
road-movie (ou filme-estrada)
competente, deve encantar grandes audiências, aqui e alhures.
Lembra um pouco, na busca paterna que já sabemos frustrada, o
filme "Paisagem na Neblina", do
grego Theo Angelopoulos, ainda
que não tenha a mesma frieza.
Lembra ainda, principalmente
nos cinco minutos finais, "Cinema
Paradiso", com a vantagem de não
fazer a enésima homenagem ao cinema -embora caia na mesma
armadilha/truque do banho de lágrimas final e redentor.
Tem problemas -o roteiro por
vezes descosturado (o personagem de Otávio Augusto incrivelmente desiste da caça ao menino
no meio do caminho) e cenas gratuitas (a execução do trombadinha
pelo mesmo Augusto)-, mas
conta com trunfos inegáveis.
Entre eles, a direção dos atores.
Salles sabe que apenas juntar as
duas maiores atrizes brasileiras vivas não é garantia de nada. Pode
dar um grande filme, mas pode
dar também a cerimônia de entrega do Prêmio Sharp, por exemplo.
Não é o que acontece com Fernanda Montenegro e Marilia Pêra.
Nos poucos momentos em que
contracenam, ambas valem "Central do Brasil". E, do primeiro terço para o final, Montenegro sozinha continua valendo o filme.
Há também o achado que é o
menino Vinícius de Oliveira. Um
prodígio, um moleque de rua que
não deve nada ao pixote de "Pixote" e ao garoto de "O Garoto".
Mas tão interessante quanto o
filme é o caso Walter Salles
-Walter Moreira Salles Jr. Assistimos, desde 89, à evolução de um
diretor, esforçado e obstinado no
desejo de tornar-se cineasta.
Vimos o yuppie da publicidade
descobrir o cinema em "A Grande
Arte" (89). Tudo era referência
nesse comercial de cigarro Free de
90 minutos. Salles surgia (como
muitos então) como filho ilegítimo e tardio do trio Wim "Paris,
Texas" Wenders, Jim "Daunbailó"
Jarmusch e Nelson "Cenários em
Ruínas" Brissac Peixoto.
Veio "Terra Estrangeira" (95), a
constatação e o registro algo ingênuos do êxodo de parte da geração
burguesa sufocada sob Collor.
Agora, temos "Central do Brasil". Descobre-se que realmente há
pobreza no país, um pouco como
a viagem mítica que o jornalista
Paulo Francis gostava de contar,
quando visitou o Nordeste pela
primeira vez nos anos 50.
Mas "Central do Brasil" é pela
primeira vez cinema, e Walter Salles deve, sim, se revelar o cineasta
que quer ser no próximo filme.
Por fim, é compreensível, embora não aceitável, que a crítica brasileira tenha gostado em uníssono
de "Central do Brasil", antes mesmo de o filme ficar pronto. Há um
desejo legítimo dessa crítica de
que o cinema brasileiro dê certo.
É preciso dizer com todas as letras, porém, que "Central do Brasil" não é a salvação da lavoura. É
água fresca em terra arrasada, e
talvez seja tomado como marco
nos anos vindouros, mas é só um
bom e competente filme.
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