São Paulo, quinta, 2 de abril de 1998

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O DIRETOR
Impressões de viagem

WALTER SALLES
especial para a Folha

17 de maio de 1931. Um filme realizado por um jovem diretor de 21 anos é apresentado no cinema Capitólio, no Rio de Janeiro. Eminentemente poético e de estrutura não-narrativa, o filme não encontra distribuidor.
Não foi sucesso de público, não ganhou festivais. Mas permanece até hoje alimentando o imaginário de quem faz cinema no Brasil. O filme é "Limite", e o cineasta, Mário Peixoto.
Hoje, fala-se constantemente na diversidade do cinema brasileiro. Não é uma qualidade suficiente para distinguir uma cinematografia, mas o panorama é efetivamente plural. De um lado, os mestres continuam ou voltaram a filmar.
Nelson Pereira dos Santos prepara "Guerra e Liberdade", cruzada ética e sentimental de Castro Alves em São Paulo. Hector Babenco acaba de realizar o seu filme mais visceral, com a densidade que só ele conhece.
Carlos Diegues inverte o sinal do olhar, propondo uma instigante releitura do "Orfeu" de Tom e Vinícius. Walter Lima Jr. prepara um novo filme, inscrito no Brasil da bossa nova.
Da mesma forma, a geração liderada por Bruno Barreto -a de Murilo Salles, Carla Camurati e Sérgio Rezende, entre tantos outros- dá os retoques finais em novos projetos.
Na área dos jovens cineastas, Paulo Caldas e Lírio Ferreira, diretores do vigoroso "Baile Perfumado", desenvolvem os roteiros dos seus próximos filmes.
A excelente Eliane Caffé pós-produz seu "Kenoma", e os talentosos diretores da Conspiração (Andrucha Waddington, Arthur Fontes, Claudio Torres e José Henrique Fonseca) estão com "Traição" -longa composto por quatro médias inspirados em contos de Nelson Rodrigues- na lata.
No Nordeste, surgem novos cineastas criativos como José Araripe e Sergio Machado, na Bahia, e Kleber Mendonça Filho, em Pernambuco.
É ao mesmo tempo muito e pouco. Com exceção do trabalho fundamental da Riofilme, o atual sistema de financiamento não favorece o cinema mais pessoal ou experimental, no entanto, vital para oxigenar toda uma cinematografia.
Um exemplo: "Madame Satã", primeiro projeto de longa-metragem do curta-metragista cearense Karim A$nouz. O roteiro quase ganha o novo concurso do Sundance Institute. Faz um uso radical do som e da imagem. É cinema feito com as tripas e o coração. E está parado por dificuldades de captação de recursos.
Nas pré-estréias de "Central do Brasil" realizadas em diversos pontos do país, pude encontrar cineastas com projetos tão íntegros e radicais quanto o de Karim. Como Edgar Navarro e seu belíssimo "O Homem que Não Dormia", projeto que espera há 20 anos para ser filmado.
Ou Mônica Medina, roteirista de grande originalidade de Vitória da Conquista. A exemplo de Mário Peixoto, podem não ganhar festivais ou competir no Oscar. Mas talvez possam mais: fazer filmes com o grau de permanência de "Limite". Filmes radicalmente instigantes, inovadores, que dão vontade de fazer mais cinema.


Walter Salles, 41, é cineasta, diretor de "Central do Brasil"


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