São Paulo, quinta, 2 de abril de 1998

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FESTIVAL DE DOCUMENTÁRIOS
"Juliette" constrói biografia de garota cubana

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Mas Afinal Quem É Juliette?", do mexicano Carlos Marcovich, é um filme singular, que estabelece uma nova relação entre ficção e documentário.
Vencedor da competição latina do último Sundance Festival (EUA), o filme será exibido hoje, no Cinesesc, dentro do 3º Festival Internacional de Documentários - É Tudo Verdade.
Pode-se dizer, simplificando, que se trata de uma longa reportagem encenada sobre uma adolescente cubana -a Juliette do título-, que oscila entre a prostituição e a inocência infantil, num bairro pobre de Havana.
A alegria contagiante da garota chega a ofuscar sua história trágica: a mãe se matou pondo fogo no próprio corpo, depois que o pai abandonou a família e emigrou para os Estados Unidos.
A própria Juliette foi estuprada ainda na infância pelo amigo de um tio. Hoje vive dos dólares que ganha dos turistas em troca de favores sexuais.
Para tentar captar as várias faces de uma personagem tão fugidia e fascinante, o filme recorre a uma incessante combinação de recursos, que vão dos simples depoimentos a sequências totalmente encenadas, tendo como atores Juliette e amigos que moram em seu bairro.
Tornando a equação ainda mais complexa e estimulante, o documentário retrata paralelamente a vida de outra jovem, a atriz, cantora e modelo mexicana Fabíola, com quem Juliette trabalhou durante a gravação de um videoclipe em Havana.
Sua história tampouco é um mar de rosas: pai ignorado, mãe (ao que parece) prostituta.
Ao entrelaçar os destinos dessas belas garotas latino-americanas, Marcovich acaba por esboçar um retrato muito vívido da juventude dos bairros pobres do continente, em que a alegria de viver é a contraface da luta para sobreviver.
Seria fácil -até porque México e Cuba são o berço das novelas- fazer dessas histórias um melodrama deslavado.
Mas o filme foge do sentimental com a mesma dignidade com que rejeita o exótico.
Um exemplo memorável é a cena em que Juliette, sem nenhuma preparação prévia, reencontra no México o pai, que ela não via desde os seis meses de idade.
Não há música nem lágrimas ali. Depois de dar uma gargalhada nervosa, a menina pergunta ao quase desconhecido à sua frente: "Por que você nunca escreveu?".
Um grande momento de um grande filme.

Filme: Mas Afinal Quem É Juliette?
Produção: México, 1997, 90 min. Direção: Carlos Marcovich Quando: hoje, às 17h e às 21h, no Cinesesc


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