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ARTES PLÁSTICAS
Radicalismo de Fontana ultrapassa limites da moldura
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
A exposição de Lucio Fontana combina uma retrospectiva do artista com uma coletiva de arte contemporânea brasileira. O diálogo entre as duas tenta
encontrar uma convergência entre a radicalidade do pintor nascido argentino, de tradição italiana,
e desenvolvimentos plásticos do
Brasil depois dos anos 50.
Nessa concepção, o exílio portenho de Fontana nos anos 40 é fulcral. A investigação que realizava
dez anos antes entra em contato
com a produção moderna argentina e se radicaliza, falando com
novo fôlego. Ao retornar a Milão,
as obras abandonam os títulos
particulares e passam a se chamar
"Conceitos Espaciais".
O artista denunciaria um descentramento do eixo de discussão
moderna, que se comportaria na
mão dupla, culminando na radicalização profunda de algumas
questões modernas, que a exposição quer aproximar da radicalidade neoconcreta.
Quando observamos a tentativa
de expandir as fronteiras do campo da obra para uma dimensão
mais generosa, parece tentador
aproximar o pintor de uma certa
tradição brasileira. Parece verdadeira a questão bem como a comparação, mas, ao voltar ao nascedouro dessas questões de Fontana, bem mais radical que a produção construtiva de Buenos Aires, a
obra surge mais robusta, enriquecida por um percurso radical.
O trajeto da mostra expressa a
vontade de a arte ganhar abrangência. Embora exista continuidade evidente entre os trabalhos,
a sucessão não é linear. Sua obra
vai se descontentando com os limites da moldura, quer se contaminar de espaço sem se perder.
Já em 1934, o artista insere uma
linha de ferro num espaço virtual.
Sua construção, ao rejeitar uma
espacialização prévia, dá liberdade de movimento ao caminho da
linha, que recusa a perspectiva
tradicional. Nos "Conceitos Espaciais", do fim dos anos 40, ele
mergulhou na articulação entre a
obra e o ambiente que a circunda.
Procurando um modo de a linha acontecer no espaço expositivo, num espaço antiilusionista, e
planar, o artista perfura a superfície pictórica. O espaço da obra entra em diálogo com o ambiente.
Tal contaminação de luz se desdobra para um lado, na escultura
de néon, de 1951, e num anteparo
translúcido e colorido que interrompe a luz e a filtra, como uma
pintura. Por outro lado, parece se
desenvolver nas telas cortadas dos
anos 60. Embora os dois termos
da produção não sejam antinômicos, ambos exemplificam sua
contribuição na passagem da arte
moderna para a contemporânea.
O primeiro Fontana seria o que,
radicalizando questões modernas, como a não-objetividade na
representação e a crítica ao espaço
perspectivo, leva a obra de arte
para atuar além dos limites do seu
corpo. O outro, siamês nas preocupações, vai além e passa a desconfiar da ambiguidade do objeto
que faz essa intermediação.
Nas esculturas de bronze, tal dinâmica parece ainda mais clara:
os corpos redondos se recusam a
qualquer determinação fácil. Não
sabemos o quanto de energia sua
epiderme esconde. Mas, por trás
desse enigma, bate a vontade de a
obra propor uma experiência
mais rica do que um significado.
Lucio Fontana
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r.
Álvares Penteado, 112, centro, SP, tel. 0/
xx/11/3113-3651)
Quando: de ter. a dom., das 12h às
18h30; até 16 de junho
Quanto: entrada franca
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