São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Radicalismo de Fontana ultrapassa limites da moldura

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

A exposição de Lucio Fontana combina uma retrospectiva do artista com uma coletiva de arte contemporânea brasileira. O diálogo entre as duas tenta encontrar uma convergência entre a radicalidade do pintor nascido argentino, de tradição italiana, e desenvolvimentos plásticos do Brasil depois dos anos 50.
Nessa concepção, o exílio portenho de Fontana nos anos 40 é fulcral. A investigação que realizava dez anos antes entra em contato com a produção moderna argentina e se radicaliza, falando com novo fôlego. Ao retornar a Milão, as obras abandonam os títulos particulares e passam a se chamar "Conceitos Espaciais".
O artista denunciaria um descentramento do eixo de discussão moderna, que se comportaria na mão dupla, culminando na radicalização profunda de algumas questões modernas, que a exposição quer aproximar da radicalidade neoconcreta.
Quando observamos a tentativa de expandir as fronteiras do campo da obra para uma dimensão mais generosa, parece tentador aproximar o pintor de uma certa tradição brasileira. Parece verdadeira a questão bem como a comparação, mas, ao voltar ao nascedouro dessas questões de Fontana, bem mais radical que a produção construtiva de Buenos Aires, a obra surge mais robusta, enriquecida por um percurso radical.
O trajeto da mostra expressa a vontade de a arte ganhar abrangência. Embora exista continuidade evidente entre os trabalhos, a sucessão não é linear. Sua obra vai se descontentando com os limites da moldura, quer se contaminar de espaço sem se perder.
Já em 1934, o artista insere uma linha de ferro num espaço virtual. Sua construção, ao rejeitar uma espacialização prévia, dá liberdade de movimento ao caminho da linha, que recusa a perspectiva tradicional. Nos "Conceitos Espaciais", do fim dos anos 40, ele mergulhou na articulação entre a obra e o ambiente que a circunda.
Procurando um modo de a linha acontecer no espaço expositivo, num espaço antiilusionista, e planar, o artista perfura a superfície pictórica. O espaço da obra entra em diálogo com o ambiente.
Tal contaminação de luz se desdobra para um lado, na escultura de néon, de 1951, e num anteparo translúcido e colorido que interrompe a luz e a filtra, como uma pintura. Por outro lado, parece se desenvolver nas telas cortadas dos anos 60. Embora os dois termos da produção não sejam antinômicos, ambos exemplificam sua contribuição na passagem da arte moderna para a contemporânea.
O primeiro Fontana seria o que, radicalizando questões modernas, como a não-objetividade na representação e a crítica ao espaço perspectivo, leva a obra de arte para atuar além dos limites do seu corpo. O outro, siamês nas preocupações, vai além e passa a desconfiar da ambiguidade do objeto que faz essa intermediação.
Nas esculturas de bronze, tal dinâmica parece ainda mais clara: os corpos redondos se recusam a qualquer determinação fácil. Não sabemos o quanto de energia sua epiderme esconde. Mas, por trás desse enigma, bate a vontade de a obra propor uma experiência mais rica do que um significado.


Lucio Fontana     
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, centro, SP, tel. 0/ xx/11/3113-3651)
Quando: de ter. a dom., das 12h às 18h30; até 16 de junho
Quanto: entrada franca




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