"A Festa de Abigaiu", do diretor e roteirista de "Vera Drake", estréia amanhã no teatro Cultura Inglesa

GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA

Abigaiu tem 15 anos, é alta, pintou uma mecha rosa nos cabelos lisos e compridos e usa jeans cheios de botões e alfinetes. Embora seu nome esteja no título do texto "A Festa de Abigaiu", do britânico Mike Leigh -que ganha montagem dirigida por Mauro Baptista Vedia, no teatro Cultura Inglesa, a partir de amanhã-, a personagem não aparece em nenhum momento durante a peça.
Sua descrição vem pela voz de vizinhos, estes sim presentes. Sabe-se que ela está dando uma festa na casa ao lado. Apenas a música (a trilha inclui Clash, Sex Pistols e outros ícones do pop-rock dos anos 90) vaza por paredes e janelas, exatamente como se viesse de um ambiente externo. Era para ser uma festa boba, mas Abigaiu vai um pouco além dos limites.
No início da peça -premiada pelo festival Cultura Inglesa deste ano -há um casal de vizinhos em cena, ocupando a sala de estar, decorada ao sabor de um requinte duvidoso: Laurence, um corretor de imóveis, e Beverly, uma dona-de-casa, discutem os preparativos para receber a visita dos amigos Ângela e Tony. Vão servir azeitonas e gin tônica. Durante a confraternização, Beverly se torna pivô de uma conversa cheia de farpas, em sua busca para mostrar superioridade intelectual e socioeconômica.
Entre uma azeitona e outra, mais uma personagem entra na já apimentada conversa. Susan, mãe de Abigaiu, depois de ser expulsa da festa pelos convidados da filha, vai "dar um tempo" na casa da vizinha. Sai de um inferno e cai em outro. Acaba atingida pela medição de forças dos casais presentes, um pouco alheia ao assunto.
Escrito nos anos 70 -é a trilha que, nessa montagem, transfere o enredo para tempos mais recentes-, o texto joga luz sobre a mediocridade que Mike Leigh tanto aprecia em seus enredos, de ações simples e cotidianas, mas suficientemente daninhas para promover estragos. Os filmes "Segredos e Mentiras" (1996) e "Vera Drake" (2004) correspondem a uma segunda fase do roteirista e diretor, em que a classe operária protagoniza histórias menos inclinadas ao humor.