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Proibição do cigarro no teatro incomoda artistas
Lei que entra em vigor esta semana exige autorização judicial para fumar em cena
Exceção a cultos religiosos não se aplica a espetáculos cênicos; para atores e diretores, legislação
ameaça liberdade artística
JOSÉ ORENSTEIN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Onde tem fogo tem fumaça. E
é na boca de cena que a coisa
começa a esquentar. A partir de
sexta-feira, dia 7 de agosto, entra em vigor em todo o Estado
de São Paulo a lei que proíbe fumar em ambientes fechados de
uso coletivo.
No extenso rol de lugares
proscritos estão cinemas, bares, lanchonetes, boates, restaurantes, hotéis, centros comerciais, bancos, supermercados, açougues e... teatros.
Quem quiser acender um cigarro, cachimbo ou charuto
"cenográficos", deverá pedir
autorização judicial, explicando o porquê de a fumaça ter que
se espalhar pelo palco. Ao juiz
caberá decidir se o fumo é de fato imprescindível na construção dramática.
A medida vem preocupando
alguns atores e diretores, que
veem na lei um cerceamento da
liberdade artística. É o caso da
atriz Mika Lins, que está em
cartaz no Sesc Consolação com
a peça "Memórias do Subsolo",
uma adaptação do livro de Dostoiévski. "Eu fumo dois cigarros em cena, a frente do cenário
tem um monte de bitucas. Faz
parte da concepção do espetáculo, é quase um acessório de
pensamento", afirma.
"Acho o fim. É um absurdo
essa história de ter que se justificar. Sei que tem multa, mas
estou disposta a pagar ou recorrer na Justiça", diz a atriz. A penalidade deve recair sobre o dono do estabelecimento.
Antonio Rocco, que dirige o
teatro N.ex.t. -para onde Lins
muda sua peça a partir do dia
11-, diz não estar preocupado.
"É uma lei de saúde pública.
Não foi pensada para espetáculos teatrais. Isso vai mudar."
Salvo-conduto
Já o ator e diretor Celso Frateschi, em cartaz com duas peças no teatro Ágora -que não
utilizam cigarros-, diz achar
"patética" a lei. "Se tiver que
usar cigarro em cena, vou usar
sem dúvida. É uma hipocrisia
uma cidade que não controla a
poluição dos carros fazer isso. É
quase revoltante", comenta.
Além de tabacarias e afins,
cultos religiosos "em que o uso
de produto fumígeno faça parte
do ritual" têm salvo-conduto.
"É uma incoerência que soa
quase como um privilégio. Por
que não há uma exceção de natureza artística?", pergunta o
diretor José Henrique de Paula. Sua peça "As Troianas", em
cartaz no Instituto Cultural
Capobianco até dia 16, usava cigarros em cena, mas eles foram
retirados a pedidos da instituição. "Não era um objeto crucial
para a narrativa. Era um elemento que apenas ajudava numa concepção mais realista da
peça", conta.
O diretor do teatro Oficina,
José Celso Martinez Corrêa,
que está ensaiando a peça "Cacilda!!", com cenas em que se
usa o cigarro, dá outra interpretação para a lei: "O teatro é um
culto religioso, dionisíaco. Então, tá liberado!".
"Teatrinho realista"
Rodolfo García Vázquez, diretor da peça "Justine", que entra em cartaz no final do mês no
Espaço Satyros, engrossa o coro: "Eu não sei qual a diferença
entre ato religioso e artístico...
Por que proibir só na arte?".
Quem tem opinião diferente
é Gerald Thomas. Radicado em
Nova York, o ex-fumante acha a
lei "ótima". "O cigarro é uma
merda, não dá barato, só traz
câncer e miséria. As pessoas
têm que parar de ver seus ídolos fumando", diz Thomas. Para ele, não é só questão de saúde. "É uma besteira esse teatrinho realista, que precisa de
uma mesa, de uma cadeira, de
um cigarro. O artista tem que
transcender isso tudo."
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