São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2010

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OPINIÃO FESTIVAL

Goytisolo abre feira de Berlim com elogio a "cidades marginais"

Um dos mais importantes nomes das letras espanholas fala sobre espaços às margens de grandes centros


A CIDADE EM POTÊNCIA QUE GOYTISOLO EXALTOU COMO ÚNICA POSSÍVEL: A DAS COLISÕES ESPAÇO-TEMPORAIS, MESTIÇAGENS E HETEROGENEIDADE CARNAVALESCA


ALAN PAULS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Todos os que falaram antes dele o colocaram em primeiro na lista de agradecimentos. Quando finalmente subiu ao palco, frágil, apequenado pelas dimensões do auditório da Haus der Kulturen der Welt, Juan Goytisolo, 79, agradeceu nas línguas que a vida de nômade lhe ensinou: espanhol, inglês, francês, turco e magrebino.
Tirou os óculos, anunciou o título de sua conferência -"Espaço em Movimento"- e se pôs a ler. Durante meia hora, sua voz se estendeu com toda a força de que o corpo parece sentir saudades.
Goytisolo inaugurou, em 15 de setembro, o décimo Festival Internacional de Literatura de Berlim com um discurso adequado: uma celebração das cidades impuras, mestiças, que crescem às margens das cidades oficiais.
Falou em nome da literatura e citou a relação íntima que o romance do início do século 20 soube nutrir com os grandes espaços urbanos.
Mas, ao mencionar "Ulisses", de James Joyce, "Manhattan Transfer", de John dos Passos, ou "Berlin Alexanderplatz", de Alfred Doblin -mais romances-cidade que romances sobre cidades-, o espanhol redigia sua autobiografia em voz alta.
Eles encarnam o modernismo experimental que Goytisolo sempre reivindicou e, de algum modo, pressagiaram sua vocação de andarilho e estrangeiro. A Paris de Baudelaire foi a réplica pioneira da cidade que Goytisolo descobriu no início dos anos 1960. Mas o que o deslumbrou não foram os Champs Elysées nem a Rive Gauche. Conduzido por Guy Debord, foi à periferia, aos bairros marginais em que uma Paris plural, osmótica, nascia do contato com as comunidades árabes.
Mais tarde, essa ideia contracultural seria encarnada, para Goytisolo, na cidade que naquela noite o aplaudiu. Ele chegou a Berlim nos anos 1980, quando ela ainda era uma cidade triste, partida em dois por um "muro absurdo", com uma bolsa para terminar um romance e tendo as páginas de "Berlin Alexanderplatz" como mapa.
Ficou estarrecido com a fragmentação do lugar, mas essa Berlim cansada não podia ser toda a cidade para o andarilho urbano que era ele. Em Berlim, o bairro de Kreuzberg deixava entrever a cidade em potência que Goytisolo exaltou como única possível: a das colisões espaço-temporais, mestiçagens e heterogeneidade carnavalesca. Esse espaço fluido que definiu a modernidade.
Para a alegria dos anfitriões, Goytisolo disse que em lugar algum essa invenção está tão viva quanto em Berlim. E lançou o desafio: quem será o novo Doblin, que escreverá o "Berlin Alexanderplatz" do século 21?


ALAN PAULS, escritor argentino, é autor de "O Passado" (Cosac Naify), entre outros

Tradução de CLARA ALLAIN


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