|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
CRÍTICA ROMANCE
Final abrupto cai bem ao último livro de Juan José Saer
Autor entra para a galeria dos que deixaram obras importantes não concluídas
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Com a chuva chegou o
outono e, com o outono, o
tempo do vinho." Assim, incompleto, começa e termina
o último capítulo do último
livro de Juan José Saer, "O
Grande", já que o autor não
conseguiu concluí-lo antes
de morrer, em 2005 (iniciara
o projeto em 1999).
A frase é por várias razões
o final ideal para o romance,
como aliás já sugere uma de
suas epígrafes: "O que era firme resvalou, e apenas/ o que
escapava permanece e dura"
(Quevedo).
Em primeiro lugar, porque
o tempo e a incompletude, as
repetições distorcidas (de
personagens, de situações),
os silêncios e as ausências
são algumas das marcas fortes presentes em uma obra
construída com rigor ao longo de décadas, na qual se
destacam criações como
"Ninguém Nada Nunca" ou
"O Enteado" (publicadas no
Brasil também pela Companhia das Letras).
CORTE ARBITRÁRIO
A ideia de algo que não pode acabar, além disso, está
presente na própria arquitetura do texto, com sua divisão em sete capítulos, cada
um para um dia da semana,
começando em uma terça-feira, quando Gutiérrez, que
estivera afastado da Argentina por 30 anos, começa a
convidar amigos para um
churrasco, que vai acontecer
no domingo.
A segunda-feira, o capítulo inconcluso, seria curto, segundo o editor de Saer (teria
cerca de 20 páginas e terminaria com a frase: "Moro vende").
O fato é que, como lembrou o escritor argentino Carlos Gamerro, a escolha da semana como unidade de tempo da narrativa não é casual e
remete a "um corte arbitrário
no fluxo temporal", é algo
que começa em um momento
qualquer e termina em outro
momento qualquer.
O final abrupto faz ainda
com que Saer se torne membro de uma galeria especial
de escritores que deixaram
obras importantes não terminadas, galeria em que as conexões nacionalistas que ele
tanto atacou não fazem nenhum sentido.
Ou seja, que ele passe a ser
lembrado como membro de
uma nobre linhagem que inclui Kafka, por exemplo, me
parece uma justa homenagem do acaso.
Da mesma forma, é justo
que, nesta resenha, ele tenha
as últimas palavras, retiradas de "O Grande", elas também (um pouquinho só) ao
acaso:
"Inclinou-se e deu um beijo em seu rosto. Nula estava
emocionado e começou a
balbuciar alguma coisa, mas
ela se virou, acendeu a luz da
entrada e fechou a porta. Depois de alguns segundos, ouviu-se de novo o barulhinho
metálico da fechadura, que
havia uma semana se repetia
em sua cabeça e que continuaria se repetindo por muitos anos, familiar, em sua
memória, transferido de sua
futilidade de puro acontecer
para o céu metonímico onde
os fatos dissecados e transpostos para uma nova ordenação restituem e referem,
provocando alternadamente
angústia ou consolo, a experiência imperfeita e fugidia."
ADRIANO SCHWARTZ é professor de
literatura da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da USP
O GRANDE
AUTOR Juan José Saer
TRADUÇÃO Heloisa Jahn
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 57 (410 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
Texto Anterior: Opinião/Festival: Goytisolo abre feira de Berlim com elogio a "cidades marginais" Próximo Texto: Painel das Letras: E-book canibaliza livro Índice | Comunicar Erros
|