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CRÍTICA CRÔNICA
Histórias de "Tudo é só isso" batem um bolão de afeto
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
O primeiro dia do pai com
o filho homem no estádio é
um clássico. Inesquecível
aventura, quase sempre
bem-sucedida, de repassar o
DNA do time do peito.
Levar a filha ao campo é
bem mais raro, mas um gesto
bem mais nobre e bonito. Gol
de placa na memória afetiva.
Assim aconteceu com a
jornalista e escritora Milly
Lacombe e é o que a autora
narra em uma das melhores
crônicas reunidas no livro
"Tudo É Só Isso -Amor, Conquistas e outros Prazeres
Fundamentais". Verão de
1972, Rio de Janeiro, Maraca,
Fluminense contra Botafogo.
"Em vão, tenho passado
boa parte de minha vida
adulta tentando reproduzir a
sensação de segurança que
as mãos de meu pai me davam", escreve a moça.
Corta para os olhinhos da
menina mirando o pai em
"contra-plongée", de baixo
para cima, a lembrança sugere cena de cinema.
O time da estrela solitária
faz 2 a 0. O pai, profeta tricolor como o mais ilustre torcedor do clube -o sr. Nelson
Rodrigues, o maior cronista
de futebol de todas as galáxias-, conforta aquele pobre
e desprotegido coraçãozinho
estreante de menina. Prevê a
virada em grená, verde e
branco.
No segundo tempo desse
jogo, tudo acontece, mas não
estou aqui para estragar surpresas das histórias. Leiam o
livro ou resgatem a súmula
daquele jogo.
O futebol, no caso, é apenas uma desculpa temática
para Milly tratar das coisas
simples e mui delicadas. Essa, talvez, seja a grande missão lírica e religiosa da crônica, o eterno gênero vira-lata
de olhos pidões da literatura.
O mesmo grande homem
que leva a filha para ver o seu
Fluminense aparece em outro momento lindo no livro.
No papel do homem que não
bebia água. Ah, a verdade
nunca seria inodora, incolor
e insípida.
PRIMEIRO AMOR
Sem medo do varejão-Ceasa da existência, aqueles
fragmentos e raspas de felicidade, a autora trata do primeiro encontro com o amor
da sua vida. O jantar, em um
restaurante com a turma,
acaba. E se o amor da sua vida não ligar no dia seguinte,
será que continuará sendo o
amor da sua vida ou apenas o
amor da sua quinzena? Cenas dos próximos capítulos.
A vida não é fácil e daí vem
outra atribuição dos missionários da crônica, seja esportiva ou de costumes: torná-la
digerível e besta, como faz
aquele jogador que bate na
bola sem precisar olhar para
a redonda. Não é desprezo, é
amor demais da conta. Estamos no mundo para isso.
O teste do bom cronista é
saber aplicar um bandeide
na alma, como em outro comovente texto deste livro.
TUDO É SÓ ISSO
AUTORA Milly Lacombe
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 29,90 (232 págs.)
AVALIAÇÃO bom
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