São Paulo, sábado, 02 de outubro de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
CRÍTICA ROMANCE Anão tarado é a chave de boa trama policial
William C. Gordon mistura sexo, violência e humor entre a comunidade latina de San Francisco nos anos 1960
THALES DE MENEZES EDITOR-ASSISTENTE DA SÃOPAULO William C. Gordon foi advogado e dono de bar em San Francisco por um bom par de décadas. Os tipos que frequentaram o escritório e o boteco forneceram combustível para criar seu primeiro e elogiado romance, "O Mistério dos Jarros Chineses". A mesma fauna esquisita volta agora em "O Anão", seu terceiro romance, mas com mais contundência. Marido da escritora chilena Isabel Allende, ele produz com calma e disse na última Flip que não tem pretensões de concorrer com ela na lista dos mais vendidos. Mas Gordon pode ficar tranquilo quanto a seu potencial. Com uma prosa alicerçada em boas construções de tipos estranhos, ele não corre o risco de ficar escondido na sombra da mulher. "O Anão" mostra a força própria do trabalho do autor, que abre a narrativa com violência pesada e depois vai trocando os lances mais brutos por sutis costuras de mistério, temperadas com humor e erotismo hardcore. Personagem de todos os livros de Gordon, o repórter Samuel Hamilton volta às páginas lidando com restos de pele humana encontrados em um saco na San Francisco no início da década de 1960. Os desdobramentos da caçada a um assassino agitam a comunidade latina da área e, numa intrincada engenharia de enredo, as investigações parecem convergir ao anão Dusty Schwartz, imigrante mexicano e pastor da suspeitíssima Igreja Universal do Desdobramento Mental. Gordon já revelou a jornalistas que ficou muito tempo pensando se o diminuto pastor era um bom personagem para segurar um romance. Ao ser apresentado às várias camadas de maldade, esquisitice e obsessão sexual de Schwartz, o leitor não sabe como o escritor possa ter tido tantas dúvidas a respeito de um tipo tão fascinante. Na verdade, um anão patologicamente tarado era um dos personagens do primeiro livro escrito por Gordon e nunca publicado, "Flawed". Já casado com Isabel Allende na época, ele foi desencorajado por ela a utilizar um tipo tão asqueroso quanto aquele. Com essa pressão caseira, ele insistiu e dedicou muito tempo à reestruturação do personagem. Valeu a pena. É no desenho de seus protagonistas que Gordon ganha o leitor. Seu anão, ainda asqueroso, cativa. E é muito bem ajudado na tarefa por uma dominatrix chamada Dominique que, além de saciar a libido incandescente do pastor, também opera curas espirituais nos fiéis da igreja. As peripécias sexuais envolvendo Schwartz e Dominique rendem os trechos mais saborosos do romance. Alguns deslizes de ritmo nas páginas finais não chegam a comprometer a conclusão da história, mas mostram que Gordon ainda tem um pouco mais a aprender sobre carpintaria de texto. Sua mulher, que domina muito bem essa técnica, poderia ajudá-lo. Os fãs de livros divertidos, safados e violentos vão agradecer. O ANÃO AUTOR Wiiliam C. Gordon TRADUÇÃO Gabriel Zide Neto EDITORA Record QUANTO R$ 39,90 (272 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Crítica/Crônica: Histórias de "Tudo é só isso" batem um bolão de afeto Próximo Texto: "Quem fala do corpo fala da morte" Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |