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CONTARDO CALLIGARIS
"Closer - Perto Demais": por que somos infelizes em amor?
Concordo com Caetano
Veloso, "de perto ninguém é
normal". Mas "Closer - Perto Demais", de Mike Nichols, me deixou
pensando diferente: de perto, somos normais demais.
O filme é uma demonstração tocante de nossas impotências e incompetências sentimentais. Se você quer saber por que, em regra,
somos infelizes em amor, não perca.
Para não estragar o prazer de
quem não viu o filme, nada de resumo, apenas as reflexões fragmentárias com as quais passei a
noite, depois de ter assistido a
"Closer - Perto Demais".
1) Por que, no meio de uma história amorosa que funciona, um
encontro (que sempre parece mágico) pode levar alguém a trocar a
intimidade de um casal companheiro por uma visão?
Os evolucionistas dizem que os
homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie
continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A
teoria tem uma falha: as mulheres
são tão infiéis quanto os homens
(embora os homens se recusem a
acreditar nessa banalidade).
O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando
com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade
seja um valor é especificamente
moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo.
Outro problema ainda maior: na
condução de nossas vidas, somos
obstinadamente repetitivos. Insistimos nas mesmas fantasias e nos
mesmos sintomas. Contrariamente ao que diz o provérbio, errar é
divino, perseverar é humano. Por
que seria diferente em matéria
amorosa? Como pode ser que um
encontro, em que mal se sabe
quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute
num amor que dura?
Tento responder: apaixonar-se é
idealizar o outro, durar no amor é
lidar com a realidade do amado
ou da amada. Antes de ponderar
os charmes da idealização, duas
observações.
Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o
parceiro. Mas, para idealizar o
outro, devo mantê-lo a distância.
Se mantenho o outro a distância,
renuncio aos prazeres de amor,
companheirismo, cumplicidade,
convivência.
Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a
idealizá-lo e a me apaixonar por
ele.
2) Por que gostaríamos tanto de
idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma
nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou
para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal
como um casaco novo: modifico
minha postura para que o pano
caia bem no meu corpo. De uma
certa forma, tento me parecer com
o ideal que o outro ama em mim.
Cada amor, quando começa, é
uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas
porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao
ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que
eu seja.
A inconstância amorosa talvez
seja a expressão imediata do desejo de mudar -não de trocar de
parceiro, mas de se reinventar.
Não é estranho que, na hora em
que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a
convicção e a esperança de que a
paixão nos transforme.
Infelizmente, mudar é difícil: a
sedução exercida pelos novos
amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as
coisas serão diferentes no ano que
começa.
3) Dizem que um casal que se
ama briga muito. O uso erótico
das brigas é conhecido: a paz se
faz na cama. Menos conhecido é o
uso amoroso das brigas: chegar ao
limite da ruptura pode ser um jeito de recomeçar, de voltar ao momento inicial da paixão, quando
ambos esperavam que o amor os
transformasse.
Problema: ninguém sabe qual é
o ponto de equilíbrio além do qual
as brigas não garantem renovação nenhuma, apenas desgastam
um amor que se perde.
4) Alguém se apaixona por outra pessoa porque, ele se queixa,
sua parceira precisa dele. É aquela
coisa: seu amor me exige demais,
você me sufoca, me prende. Isso, é
claro, é um jeito de dizer: com você sou sempre o mesmo. Também
é uma projeção: separo-me porque não agüento minha própria
dependência de você. Visto que
me detesto por estar a fim de lhe
pedir amor a cada minuto, acho
intolerável que você me peça.
Quem pensa e age assim, em geral, fica sozinho no fim.
5) Um homem volta para o lar
depois de ter estado nos braços de
outra. Sua mulher pergunta: você
me ama ainda? Ela tem razão, é a
única pergunta que importa.
Uma mulher volta para o lar
depois de ter estado nos braços de
outro. Seu homem pergunta: você
esteve com ele? Insiste: quero a
verdade. Pede os detalhes: gostou?
Gozou? Onde aconteceu, em que
posição, quantas vezes?
O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma
esgrima homossexual que tem
pouco a ver com o amor pela
amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.
Enfim, quem sabe o filme nos
ajude a inventar jeitos de amar
menos desafortunados e mais interessantes.
@ - ccalligari@uol.com.br
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