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CINEMA/"BOA NOITE E BOA SORTE"
Ator-diretor conta saga de Edward Murrow, jornalista que desafiou a caça às bruxas nos EUA
Clooney critica macarthismo em filme político
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Além de ser a resposta às preces da mulher casada, como
conta a piada, George Clooney é
uma espécie de Robin Hood de
Hollywood: rouba dos ricos (leia-se bobagens que aceita fazer para
grandes estúdios por cachês que
batem nos US$ 20 milhões) para
dar aos pobres (filmes independentes que financia ou viabiliza
por meio da produtora que divide
com o amigo Steven Soderbergh,
diretor e pioneiro do cinema independente contemporâneo).
Assim, é mais do que justo que
finalmente tenha sido reconhecido pelo Oscar, prêmio que o ignorava sistematica e metodicamente
em suas mais de duas décadas de
carreira. Na terça, o ator foi agraciado com três indicações e deve
subir ao palco pelo menos uma
vez, a primeira de sua vida.
Das três, duas são pelo importante filme "Boa Noite e Boa Sorte", que estréia hoje no Brasil. Se
pode alienar o espectador médio
local por tratar de um episódio
excessivamente norte-americano,
merece o ingresso pelos valores
universais que defende, como a liberdade de imprensa e o direito
de discordar, e pelo resgate histórico que faz para as novas gerações de um triste período dos Estados Unidos, o macarthismo.
Ambas as ações ganham mais
importância quando se leva em
conta o desastre democrático que
é a segunda administração de
George W. Bush, com sua própria
caça às bruxas, desprezo pela imprensa livre e independente e diminuição consentida das liberdades individuais em nome de uma
"guerra ao terror" duvidosa.
"Boa Noite e Boa Sorte" trata da
história verídica do jornalista Edward R. Murrow (1908-1965), que
no começo dos anos 50 apresentava o programa semanal "See It
Now" (veja agora) na CBS, então
uma das três principais emissoras
de TV norte-americanas.
À época, com poucas exceções,
a grande imprensa norte-americana em geral, mas a televisiva
principalmente, pisava em ovos
na cobertura do senador republicano Joseph McCarthy (1908-1957), do Estado do Wisconsin,
que, via Subcomitê Permanente
de Investigações do Senado, promovia uma verdadeira Inquisição
contra o que ele chamava de
"ameaça vermelha".
Murrow foi um dos que teve coragem de desafiá-lo, de maneira
séria e objetiva, contrapondo fatos às maquinações do celerado
político. Isso acabou custando seu
emprego, mas deixou uma boa
história e um bom exemplo, que
agora Clooney resgata.
Os motivos do ator são dois. Seu
pai, que também sofreu por ser
um jornalista combativo na mesma época de Murrow, o considerava o paradigma da imprensa livre. E Clooney pretende cada vez
mais diversificar a carreira dirigindo filmes -"Boa Noite e Boa
Sorte" é seu segundo longa.
Pois tem futuro o menino. No
comando do filme, ele só toma
decisões acertadas. Uma delas é
optar pelo preto-e-branco, em vez
do colorido, o que confere a desejada sobriedade que o diretor
queria. Outra é a escolha do elenco, raras vezes tão acertada.
Destacam-se principalmente o
personagem principal, interpretado pelo grande e freqüentemente injustiçado ator David Strathairn, e seu chefe, William Paley,
vivido pelo veterano Frank Langella, sempre contido.
Mas o trunfo do filme é usar cenas de arquivo do verdadeiro Joseph McCarthy nas seqüências
em que o senador aparece, em vez
de optar pelo caminho fácil de um
ator que provavelmente não resistiria à tentação de fazer um vilão
caricato de cinema mudo.
McCarthy em ação, McCarthy
como McCarthy, é mais caricato e
mais vilão do que supúnhamos
nós, espectadores, familiarizados
com o político apenas de leituras.
De resto, o filme peca somente
em um aspecto, resultado talvez
da inexperiência de George Clooney: com exceção do trio acima,
os outros personagens são mal
desenvolvidos e aparecem um
pouco perdidos na trama. Nada
que mais alguns anos e filmes
atrás das câmeras não resolvam.
Boa Noite e Boa Sorte
Good Night, and Good Luck
Produção: EUA, 2005
Direção: George Clooney
Com: David Strathairn, Robert Downey
Jr., George Clooney
Quando: a partir de hoje nos cines Pátio Higienópolis, Jardim Sul e circuito
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