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Crítica/romance
Henry James inspira nova obra de Begley
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
No início de "Naufrágio", último romance
de Louis Begley, autor
de "Sobre Schmidt" (que inspirou o premiado filme com Jack
Nicholson, "As Confissões de
Schmidt"), o protagonista confessa dúvidas profissionais e
existenciais.
John North é um badalado
escritor de romances que talvez
façam mais sucesso de crítica
do que de público. Ele acaba de
ganhar um cobiçado prêmio
das letras americanas, além de
uma polpuda quantia de um
grande estúdio, que comprou
os direitos de filmagem de seu
último livro.
Poderia estar nas alturas,
mas, certa noite, por um motivo qualquer, resolve ler toda
sua produção. Ele chega à conclusão de que nenhum de seus
livros tem o mérito literário
que a crítica lhe atribui: "Todos
pertenciam à mesma linhagem
enfadonha dos livros desnecessários, romances que não são
ruins a ponto de dar vergonha,
mas que levam a gente a pensar
por que os autores se deram ao
trabalho de escrevê-los".
Mas North não enfrenta apenas uma crise de criação. Seu
casamento também sofre. Casado com uma médica, filha de
uma das grandes fortunas de
Nova York, North vive um tórrido caso com Léa, uma jornalista francesa que o entrevistou
para a "Vogue".
Tanto o caso amoroso como
as dúvidas artísticas e também
as atribulações familiares são
narradas por North a um desconhecido num café parisiense
que tem o peculiar nome de
L'Entre Deux Mondes. O nome, assim como uma série de
menções de North a Henry James, parece apontar uma ligação com este escritor americano, embora James no todo abomine o registro confessional.
Mas é preciso dar um desconto: o romance de Begley é,
na forma, quase uma novela, e
James escreveu grandes novelas com o uso da primeira pessoa, como "A Volta do Parafuso". Seu estilo é refinado e suas
referências, preciosas.
O nome de sua namorada
francesa, por exemplo, remete,
como o próprio North sugere, à
bíblica Lia, a filha que Labão
impinge a Jacó, embora esse
preferisse Raquel.
O destino de Léa, portanto, é
ser sempre a segunda nos afetos de seus parceiros, e de fato
ela parece relacionar-se apenas
com homens casados que não
pretendem abandonar a esposa. Mas a intertextualidade é
ainda mais profunda. Assim como Lia foi rejeitada por Jacó
por causa de seus olhos remelentos, Léa sofre de uma afecção da vista. Ela é míope, detalhe que posteriormente selará
seu destino trágico.
O elo com James está nesses
pequenos motivos ocultos e
também na motivação secreta,
não dita, que anima os personagens. Sabemos desde o começo
que algo ominoso deve ocorrer.
Mas, a despeito dos queixumes
de North, a tragédia é dos outros, que se deixam envolver
pelos caprichos do vaidoso protagonista e ousam fazer frente
contra seus privilégios.
North sempre fará de tudo
para defender sua condição de
"herdeiro de uma tradição
americana testada nos campos
de batalha, nas duas casas do
Congresso e nas finanças".
Quanto à sua carreira literária, a produção de um novo romance, posto que porventura
medíocre, contribui para perpetuar seu brilho baço no mundo das letras.
NAUFRÁGIO
Autor: Louis Begley
Tradução: Sergio Tellaroli
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42,50 (240 págs.)
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