São Paulo, sexta-feira, 03 de março de 2000


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GASTRONOMIA
Itália, capital Belo Horizonte

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

Minas = pão de queijo. Ou então: Minas = tutu de feijão. Ou ainda: Minas = frango com quiabo. Certo? Certo. Errado.
Pão de queijo, tutu e frango com quiabo são verdades eternas da cozinha mineira; mas Belo Horizonte hoje é uma cidade onde se pode comer outras verdades e eternidades também, passando pela culinária da Itália e da França sem dizer adeus ao Brasil.
No Vecchio Sogno, a gastronomia do norte da Itália ganha alguns acentos tropicais. Aberto em 1995, a parceria era um "velho sonho" dos chefs Memmo Biadi (italiano) e Ivo Faria (mineiro).
Fica atrás da Assembléia Legislativa e tem a decoração convencional que se espera para um restaurante de índole clássica, nessa vizinhança: salões espaçosos, piano-bar, paredes creme, toalhas brancas, garçons de gravata borboleta. O serviço é impecável e a carta de vinhos exemplar (certificada pela "Wine Spectator").
A salada de lagosta com palmito ecológico é uma boa opção de entrada. Pratos principais incluem ótimos risotos (sempre no ponto: cada grão com sua dignidade) e massas especiais, como o gnocchi de ervas com molho de camarão e pistache. O equilíbrio dos pratos jamais se altera, mesmo em combinações difíceis como essa. Não é uma cozinha de exuberâncias; mas também não é acomodada. Muito elegante, sem pompa.
A única nota estranha no Vecchio Sogno fica por conta dos quadros, à venda, em exposições rotativas. No mínimo, não estão à altura da cozinha.
Bem ao contrário do Splendido, outro italiano de alto nível, projetado por Freusa Zechmeister, com obras de Fernando Velloso. O spumino di funghi porcini (pequeno suflê) é a entrada sugerida do chef uruguaio Jorge Rattner, e dá direito ao Prato da Boa Lembrança. O cardápio privilegia a culinária italiana do Norte, mas inclui pratos franceses, como o carré de cordeiro, e criações. O sommelier Renato dá sempre bons conselhos -como o tinto Dogajolo, vinho regional da Toscana, parente alegre do Chianti.
Vinho e suflê formam a combinação imbatível do Taste Vin, o mais idiossincrático e simpático restaurante francês de Belo Horizonte. Oito mil garrafas dormem tranquilas na adega anexa ao restaurante, onde há mesinhas para espera. O chef, sommelier e co-proprietário Rodrigo Fonseca faz suflês invariavelmente altos e vaporosos, que vêm se derramando das cumbucas. O suflê mineiro é uma invenção inspirada, de surubim e queijo gruyère. O coelho com molho de cèpes (cogumelos) não chega a ser tão original, mas nem por isso é menos inspirado.
Não há um bom chef em Belo Horizonte que não cozinhe com sotaque -sotaque mineiro. A regra vale para o Vecchio Sogno e para o Splendido, e vale também para o provençal Taste Vin. Numa região de cozinha própria tão forte, o que vem de fora acaba ganhando sabor local. Sobremesa nada francesa no Taste Vin: manga com gengibre e sorvete de coco. O que não precisava era o serviço também guardar certo sabor da terra; mas contra a demora mineira, paciência mineira.
Quem quer ver a cara de Minas, mesmo, tem de visitar a Casa Bonomi. Uma velha residência, tombada pelo patrimônio histórico, numa esquina da avenida Afonso Pena, com a pintura descascada, teto sem forro, uma mesa coletiva enorme, no centro da sala (outras pequenas no fundo), rosas brancas no vaso, lâmpadas penduradas direto do fio e prateleiras abertas na parede, cobertas de pães e geléias. Música clássica e jornais do Rio e São Paulo na mesa. A casa de fazenda do interior de Minas se transforma, aqui, num ideal brasileiro de civilidade.
Não existe um simples mais sofisticado, nem um sofisticado mais simples. O emblema por excelência da Casa é o pão: decerto um dos melhores do país. No cardápio, sanduíches e saladas. Vinho em taça, sucos naturais, bom café. A Casa Bonomi é uma grande opção para um almoço leve, ou uma passada no fim da tarde. Ou para o café com pão e jornal no domingo de manhã.
A proprietária, Paula Bonome, foi, durante muitos anos, bailarina do Grupo Corpo. Tornou-se agora uma referência nacional pela competência e originalidade no ramo da gastronomia. Juntamente com os donos do Splendido, formou parceria no ano retrasado para abrir A Favorita. Se o Vecchio Sogno está para Belo Horizonte como Fasano ou Massimo para São Paulo, A Favorita é o Spot -e algo mais.
Combina bem Splendido e Casa Bonomi: ambiente despojado, minimalismo mineiro (o gênio onipresente de Freusa Zechmeister), mas com a estrutura bem montada de um grande restaurante. Mesmo com as mesas lotadas -e estão sempre lotadas- o serviço é eficiente e atencioso.
Os pratos do dia ficam listados num quadro; o cardápio não chega a ser grande, mas não é pequeno. Magret, atum, rigatone; erva-doce, vieiras, shitake, escalopes de arraia. Vinhos bons, sem exagero.
E o pão de queijo? E o tutu? E o frango com quiabo? Xapuri. Lá na Pampulha -boa desculpa para visitar a capela de Niemeyer, com os afrescos de Portinari. O Xapuri é uma casa grande, com espaço ao ar livre, onde vale a pena experimentar o frango jeca, com quiabo, couve, chuchu, jiló. E goiabada com queijo. Mais quase 40 outros tipos de doce caseiro.
Outra opção é a Dona Lucinha, restaurante da semi-lendária Maria Lúcia Clementino Nunes, que serve dezenas de pratos da culinária mineira, em padrão self-service. Aqui está, afinal, o legítimo tutu de feijão, preparado na legítima panela de pedra, pela legítima Dona Lucinha, para o legítimo gosto dos legítimos mineiros e de seus legítimos amigos.
Há sempre excelentes motivos para se ir a Belo Horizonte. Pode-se acrescentar hoje o prazer de comer tão bem, em tão boa companhia. Oxalá outras capitais brasileiras conseguissem ter essa personalidade -na cozinha, inclusive. Bom demais, sô.


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