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GASTRONOMIA
Itália, capital Belo Horizonte
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Minas = pão de queijo. Ou então: Minas = tutu de feijão. Ou
ainda: Minas = frango com quiabo. Certo? Certo. Errado.
Pão de queijo, tutu e frango com
quiabo são verdades eternas da
cozinha mineira; mas Belo Horizonte hoje é uma cidade onde se
pode comer outras verdades e
eternidades também, passando
pela culinária da Itália e da França
sem dizer adeus ao Brasil.
No Vecchio Sogno, a gastronomia do norte da Itália ganha alguns acentos tropicais. Aberto em
1995, a parceria era um "velho sonho" dos chefs Memmo Biadi
(italiano) e Ivo Faria (mineiro).
Fica atrás da Assembléia Legislativa e tem a decoração convencional que se espera para um restaurante de índole clássica, nessa
vizinhança: salões espaçosos, piano-bar, paredes creme, toalhas
brancas, garçons de gravata borboleta. O serviço é impecável e a
carta de vinhos exemplar (certificada pela "Wine Spectator").
A salada de lagosta com palmito
ecológico é uma boa opção de entrada. Pratos principais incluem
ótimos risotos (sempre no ponto:
cada grão com sua dignidade) e
massas especiais, como o gnocchi
de ervas com molho de camarão e
pistache. O equilíbrio dos pratos
jamais se altera, mesmo em combinações difíceis como essa. Não é
uma cozinha de exuberâncias;
mas também não é acomodada.
Muito elegante, sem pompa.
A única nota estranha no Vecchio Sogno fica por conta dos
quadros, à venda, em exposições
rotativas. No mínimo, não estão à
altura da cozinha.
Bem ao contrário do Splendido,
outro italiano de alto nível, projetado por Freusa Zechmeister,
com obras de Fernando Velloso.
O spumino di funghi porcini (pequeno suflê) é a entrada sugerida
do chef uruguaio Jorge Rattner, e
dá direito ao Prato da Boa Lembrança. O cardápio privilegia a
culinária italiana do Norte, mas
inclui pratos franceses, como o
carré de cordeiro, e criações. O
sommelier Renato dá sempre
bons conselhos -como o tinto
Dogajolo, vinho regional da Toscana, parente alegre do Chianti.
Vinho e suflê formam a combinação imbatível do Taste Vin, o
mais idiossincrático e simpático
restaurante francês de Belo Horizonte. Oito mil garrafas dormem
tranquilas na adega anexa ao restaurante, onde há mesinhas para
espera. O chef, sommelier e co-proprietário Rodrigo Fonseca faz
suflês invariavelmente altos e vaporosos, que vêm se derramando
das cumbucas. O suflê mineiro é
uma invenção inspirada, de surubim e queijo gruyère. O coelho
com molho de cèpes (cogumelos)
não chega a ser tão original, mas
nem por isso é menos inspirado.
Não há um bom chef em Belo
Horizonte que não cozinhe com
sotaque -sotaque mineiro. A regra vale para o Vecchio Sogno e
para o Splendido, e vale também
para o provençal Taste Vin. Numa região de cozinha própria tão
forte, o que vem de fora acaba ganhando sabor local. Sobremesa
nada francesa no Taste Vin: manga com gengibre e sorvete de coco. O que não precisava era o serviço também guardar certo sabor
da terra; mas contra a demora mineira, paciência mineira.
Quem quer ver a cara de Minas,
mesmo, tem de visitar a Casa Bonomi. Uma velha residência, tombada pelo patrimônio histórico,
numa esquina da avenida Afonso
Pena, com a pintura descascada,
teto sem forro, uma mesa coletiva
enorme, no centro da sala (outras
pequenas no fundo), rosas brancas no vaso, lâmpadas penduradas direto do fio e prateleiras
abertas na parede, cobertas de
pães e geléias. Música clássica e
jornais do Rio e São Paulo na mesa. A casa de fazenda do interior
de Minas se transforma, aqui,
num ideal brasileiro de civilidade.
Não existe um simples mais sofisticado, nem um sofisticado
mais simples. O emblema por excelência da Casa é o pão: decerto
um dos melhores do país. No cardápio, sanduíches e saladas. Vinho em taça, sucos naturais, bom
café. A Casa Bonomi é uma grande opção para um almoço leve, ou
uma passada no fim da tarde. Ou
para o café com pão e jornal no
domingo de manhã.
A proprietária, Paula Bonome,
foi, durante muitos anos, bailarina do Grupo Corpo. Tornou-se
agora uma referência nacional
pela competência e originalidade
no ramo da gastronomia. Juntamente com os donos do Splendido, formou parceria no ano retrasado para abrir A Favorita. Se o
Vecchio Sogno está para Belo Horizonte como Fasano ou Massimo
para São Paulo, A Favorita é o
Spot -e algo mais.
Combina bem Splendido e Casa
Bonomi: ambiente despojado,
minimalismo mineiro (o gênio
onipresente de Freusa Zechmeister), mas com a estrutura bem
montada de um grande restaurante. Mesmo com as mesas lotadas -e estão sempre lotadas- o
serviço é eficiente e atencioso.
Os pratos do dia ficam listados
num quadro; o cardápio não chega a ser grande, mas não é pequeno. Magret, atum, rigatone; erva-doce, vieiras, shitake, escalopes de
arraia. Vinhos bons, sem exagero.
E o pão de queijo? E o tutu? E o
frango com quiabo? Xapuri. Lá na
Pampulha -boa desculpa para
visitar a capela de Niemeyer, com
os afrescos de Portinari. O Xapuri
é uma casa grande, com espaço ao
ar livre, onde vale a pena experimentar o frango jeca, com quiabo, couve, chuchu, jiló. E goiabada com queijo. Mais quase 40 outros tipos de doce caseiro.
Outra opção é a Dona Lucinha,
restaurante da semi-lendária Maria Lúcia Clementino Nunes, que
serve dezenas de pratos da culinária mineira, em padrão self-service. Aqui está, afinal, o legítimo tutu de feijão, preparado na legítima
panela de pedra, pela legítima Dona Lucinha, para o legítimo gosto
dos legítimos mineiros e de seus
legítimos amigos.
Há sempre excelentes motivos
para se ir a Belo Horizonte. Pode-se acrescentar hoje o prazer de comer tão bem, em tão boa companhia. Oxalá outras capitais brasileiras conseguissem ter essa personalidade -na cozinha, inclusive. Bom demais, sô.
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