São Paulo, sexta-feira, 03 de março de 2000


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RECEITAS DO MELLÃO
O feijão mendeliano e o sonho

HAMILTON MELLÃO JR.
Colunista da Folha

Engenheiros agrônomos são pessoas boníssimas, fáceis no trato e que nunca padecem de espasmo na glote. Geneticistas são pessoas igualmente boníssimas, fáceis no trato e que nunca padecem de espasmo na glote.
Minha diferença com eles aparece quando começam a retirar os incômodos da natureza para, pretensamente, aumentar a aceitação do produto. Ou seja: por meio de cruzamentos mendelianos, fazem mangas sem fiapos, pêssegos sem caroço, bananas que não amassam, desbancando o conceito platônico de idéia. Temos então a forma de uma maçã ideal, com cor linda, aspecto apetitoso, mas, pagando o preço da formosura, aguada e sem nenhum gosto.
No caso do feijão -bastião protéico e gastronômico nacional- o Instituto Agronômico de Campinas criou, há alguns anos, a variedade Carioquinha, resistente às intempéries, de colheita mais curta, não muito exigente de solo e com boa produção. Mas que, quando cozido, tem caldo ralo e sabor pouco pronunciado. Esse feijão representa, hoje, a quase totalidade do consumo paulista.
Se você tem mais de 25 anos, comia, provavelmente, na sua infância, o feijão rosinha e o mulatinho, crioulos nossos de gosto personalíssimo, caldo cremoso de dar água na boca e textura aveludada.
Mas que, em contrapartida, são vulneráveis aos nematóides e têm uma colheita tardia. Por conta disso, pouca gente os continuou plantando e sumiram das prateleiras dos supermercados dando espaço ao genérico carioquinha.
Quem "cria" os produtos nas grandes empresas são pessoas amargas, difíceis no trato e que têm úlcera duodenal. Frequentam diuturnamente feiras de alimentação nos Estados Unidos e na Europa, copiando produtos que nada têm a ver com as nossas vontades ou necessidades.
Por isso é um espanto o que a Camil fez: teve uma idéia brasileira. Lançou uma linha de feijão gourmet, oito tipos por enquanto, entre os quais os saudosos fradinho, bolinha e jalo. São um pouco mais caros do que o medíocre, mas valem o preço de matar a saudade das nossas lembranças.
Estão vendendo muito bem obrigado e desbancando o pensamento marqueteiro de que basta só a propaganda e uma bela embalagem para vender qualquer coisa, porque todos nós somos as vacas do presépio.

E-mail: mellao@uol.com.br


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