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CALIBRE 35MM
Para fazer filme sobre o "Maníaco do Parque", diretor Alex Prado dormiu um mês na cama do criminoso
Cinema-crime vai além das telas
IVAN FINOTTI
da Reportagem Local
Até que ponto vai a relação entre um cineasta e o criminoso objeto de sua filmagem?
Nesta semana, o documentarista João Moreira Salles revelou
que, após entrevistar Marcinho
VP para o vídeo "Notícias de uma
Guerra Particular", pagou para
que o traficante largasse o crime e
escrevesse um livro.
É uma intimidade até então inédita nos bastidores do cinema policial brasileiro, seja ele de ficção
ou documental. Uma intimidade
que parece estar aumentando de
40 anos para cá.
Em 1959, o diretor Roberto Farias filmou a história do temido
assaltante Promessinha. Baseou-se em um roteiro feito a partir de
notícias veiculadas em jornais e
nem sequer cogitou entrevistar o
criminoso.
Trinta e oito anos depois, seu
sobrinho Régis Faria assinou um
termo de responsabilidade para
entrar em um presídio goiano
sem proteção policial e filmar
Leonardo Pareja. Acabou com
uma faca no pescoço.
Anos dourados
Com menos de 20 anos, Antonio "Promessinha" Rossini já era
famoso por ter realizado mais de
40 assaltos. Tão famoso que Roberto Farias foi chamado para fazer um filme sobre o assunto. O
nome seria "Cidade Ameaçada".
"A história já estava escrita, baseada em notícias. O filme, aliás,
criticava a polícia e a imprensa,
que fabricavam bandidos para
vender jornal", diz o diretor.
O contato de Farias com Promessinha foi zero. "Havia a preocupação de dizer que era baseado
em fatos reais, mas era ficção também. Tanto que, no filme, Promessinha virou Passarinho", lembra Farias, que nunca mais ouviu
falar no criminoso.
Três anos depois, Farias se baseou em outro crime carioca para
fazer "O Assalto ao Trem Pagador". "Queria algo com mais responsabilidade, mais agudeza na
análise das coisas", diz Farias.
"Então procurei o delegado que
estava caçando os bandidos e participei das buscas. Cheguei a ver
alguns deles sendo presos, mas
não tive contato com eles."
Anos rebeldes
Outro clássico do cinema nacional baseado em crimes reais é "O
Bandido da Luz Vermelha", que
Rogério Sganzerla lançou em 68.
João Acácio Pereira da Costa, o
bandido, foi condenado por 88
crimes, incluindo 77 roubos, 4 assassinatos e diversos estupros.
"Escrevi meu "Bandido" a partir
de minha imaginação, quando estava no exterior. Quando voltei,
apareceu esse cara, que tinha apavorado São Paulo. Isso propiciou
a produção do filme; apareceram
sócios. Eu queria entrevistá-lo,
mas a polícia nunca deixou", conta Sganzerla,que acabou pesquisando os crimes nos jornais.
O diretor conheceu João Acácio
apenas em meados dos anos 90.
"Foi uma iniciativa da imprensa.
Me levaram lá no presídio. Foi legal. Disse que eu tinha feito o filme; ele me abraçou, elogiou. Tiramos fotos. Era solitário, mas achei
que era respeitado na cadeia."
Quando João Acácio foi libertado, Sganzerla não conseguiu encontrá-lo entre sua libertação, em
agosto de 97, e sua morte, quatro
meses depois. "Pretendo fazer outro filme sobre o assunto. Já tenho
40 minutos prontos. Seria o personagem após cumprir a cadeia.
Mostrar o que piorou no país, estabelecer essas relações."
Nove anos depois de Sganzerla,
o cineasta Hector Babenco dirigiria "Lúcio Flávio, o Passageiro da
Agonia" (77), sobre o assaltante
de bancos carioca que denunciou
a corrupção policial.
Babenco não conheceu Lúcio
Flávio Vilar Lírio, que havia morrido assassinado na cadeia (queima de arquivo, disseram) no início de 75. Mas o Esquadrão da
Morte continuava vivo. "Minha
casa foi metralhada, fui ameaçado, me mudei. Mas não quero falar desse assunto. Prefiro não alimentar esse folclore entre arte e
criminalidade", afirma.
Babenco também preferiu não
falar no caso de "Pixote, A Lei do
Mais Fraco" (80), um dos mais
dramáticos da relação de cineastas com marginais. "O que representou a morte do menino...", começa Babenco, sem terminar.
O menino a que se refere é Fernando Ramos da Silva, garoto pobre de Diadema que protagonizou o drama sobre crianças de rua
"Pixote". Alçado a estrela, Fernando passou anos tentando se
tornar ator, mas não conseguiu
outros papéis de destaque.
Em 87, acusado por policiais
militares de roubar um carro, foi
morto com seis tiros nas costas,
aos 18 anos.
Anos incríveis
Em agosto de 96, o cineasta Régis Faria colocou sua vida em risco para filmar o documentário
"Leonardo Pareja". O assaltante e
sequestrador estava preso em
uma penitenciária de Goiás.
"Quisemos entrar sem a polícia
e assinamos um termo de responsabilidade sobre nossas vidas. Eu
e uma equipe de mais quatro pessoas. Primeiro, entrevistei ele para fazer um roteiro. Depois, ficamos uns sete dias gravando as entrevistas", conta Faria.
Segundo o documentarista, Pareja era muito vaidoso: "Denunciava um monte de coisas, mas
não por real preocupação, porque
sabia que a opinião pública ficaria
do seu lado."
No último dia de filmagem, o
diretor levou seu irmão, o ator
Marcelo Faria. "De repente, no
meio da entrevista, eles começaram uma rebelião. Um monte de
presos com facas na mão; puseram no nosso pescoço e nos colocaram nas celas. Então disseram
que era brincadeira, só para a
gente sentir a adrenalina, ver como é que é sabe?"
Nos quatro meses seguintes, até
morrer assassinado pelo seu melhor amigo na cadeia, Pareja continuou a telefonar aos irmãos Faria. "Ligava para o nosso celular e
queria saber quando o programa
iria ao ar", diz o diretor.
O documentário, com algumas
cenas dramatizadas (nas quais
Pareja é interpretado por Maurício Branco), foi ao ar, pelo Canal
Brasil, um ano após a morte do
criminoso.
"Apesar da brincadeira de muito mau gosto, eu torcia para o Pareja se regenerar, para as coisas
mudarem na vida dele. Fiquei
triste quando ele morreu. Até o
ano passado, sonhava com ele."
Outro cineasta que teve pesadelos recentes com seu retratado foi
Alex Prado. Pudera: finalizando
um filme sobre Francisco de Assis
Pereira, o Maníaco do Parque, o
cineasta dormiu por 30 noites na
própria cama do criminoso.
"Fiquei amigo da família", conta Prado, que entrevistou Pereira
três vezes. "Para pesquisar a vida
dele, passei a morar na casa deles,
em Guaraci (interior de São Paulo). Pior foi para minha mulher,
que ficou apavorada por dormir
lá."
Não é a primeira obra de Prado
baseada em crimes reais. Especializado em fazer filmes baratos para exibir na periferia, Prado convenceu o ex-policial e justiceiro
Clidenor Anselmo Brilhante, o
Esquerdinha, a interpretar a si
mesmo na fita "Esquerdinha,
Braço Forte da Lei".
"Ele dizia que tinha matado,
com seu grupo, uns 600 criminosos na região do ABC paulista",
conta Prado. "Ficamos amigos.
Passeávamos e jantávamos juntos." O "astro" foi assassinado
junto com o lançamento do filme,
em janeiro de 92.
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