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LIVROS/LANÇAMENTOS
É TUDO VERDADE
Dois estudos radiografam desenvolvimento do estilo do diretor de 'Edifício Master'
Obras decifram cinema de Coutinho
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Eduardo Coutinho, 70, é hoje sinônimo de maestria no
documentário. Mas sua vocação
de documentarista surgiu tarde
(depois dos 40 anos de idade) e foi
se depurando ao longo das duas
últimas décadas até produzir
obras-primas como "Santo Forte" e "Edifício Master".
Dois novos livros, que terão lançamento hoje, em São Paulo, dentro do festival É Tudo Verdade,
procuram dar conta da gênese e
do desenvolvimento desse cinema tão singular e influente.
"Eduardo Coutinho - O Homem que Caiu na Real", do crítico
e jornalista Carlos Alberto Mattos, é mais abrangente e sistemático, incluindo a fase ficcional da
obra do diretor e contextualizando cada um de seus filmes.
Esse viés "enciclopédico" tem a
ver com a origem do livro, editado
como uma espécie de catálogo vitaminado da mostra dedicada a
Coutinho em 2003 pelo Festival
de Cinema Luso-Brasileiro de
Santa Maria da Feira (Portugal).
Completando o levantamento
histórico-crítico da produção do
cineasta, o volume traz uma extensa entrevista sua a Mattos, que
é autor também de um excelente
livro sobre Walter Lima Jr..
Já "O Documentário de Eduardo Coutinho", de Consuelo Lins,
é um mergulho em profundidade
no método e na linguagem do cineasta. A autora, que se doutorou
em cinema em Paris, é cineasta e
colaborou ativamente com Coutinho em filmes como "Babilônia
2000" e "Edifício Master". A idéia
deste último, aliás, partiu dela.
A análise, embasada na convivência criativa com o diretor e
num quadro de referências teóricas que vai de Bakhtin a Deleuze e
Foucault, concentra-se na produção que fez de Coutinho uma referência incontornável do documentário contemporâneo.
Um capítulo prévio, porém, trata do aprendizado crucial do cineasta nos primeiros e férteis
tempos do "Globo Repórter".
Aliás, esse é um dos muitos paradoxos de sua carreira: aprendeu
na TV a fazer os documentários
mais antitelevisivos do mundo.
Os dois livros, na verdade, se
complementam. Seria incorreto
dizer que um traz uma visão "de
dentro" (Lins), e o outro, "de fora" (Mattos), pois há em ambos
uma saudável dialética entre crítica e adesão à cinematografia
abordada. Ambos dão a devida
atenção ao clássico "Cabra Marcado para Morrer" (84) como
ponto de inflexão da obra de Coutinho, mas Lins detecta no média
"Theodorico, Imperador do Sertão", feito em 78 para o "Globo
Repórter", o momento crucial em
que o cineasta percebeu que o documentário é a arte do encontro
(ou confronto, ou negociação)
entre o desejo de quem filma e o
de quem é filmado.
Theodorico Bezerra, então ex-deputado federal e grande senhor
de terras no Rio Grande do Norte,
é quem conduz o documentário,
exaltando suas próprias proezas,
entrevistando seus empregados,
mostrando seu patrimônio. Com
sua verve e seu narcisismo, acaba
revelando mais sobre o autoritário e retrógrado coronelismo brasileiro do que qualquer documentário "engajado" conseguiria.
Desde então, Coutinho sabe que
o que se registra num documentário não é um real preexistente,
mas um processo colocado em
marcha quando a equipe de filmagem instala seu equipamento
diante de uma paisagem humana
qualquer: uma favela, um lixão,
uma fazenda, um prédio de apartamentos.
Outra conquista de Coutinho
foi a de filmar as pessoas como indivíduos, não como tipos sociais.
"Trabalhar sem "parti pris" sobre
algo que eu não conheço", diz o
diretor a certa altura a Carlos Alberto Mattos.
É esse cinema generoso e sem
concessões, aberto ao movimento
incessante do mundo, que esses
dois belos livros nos ajudam a conhecer e entender.
O Documentário de Eduardo Coutinho
Autora: Consuelo Lins
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 36 (205 págs.)
Eduardo Coutinho - O Homem que Caiu na Real
Autor: Carlos Alberto Mattos
Editora: Festival de Cinema de Santa
Maria da Feira
Quanto: R$ 40 (120 págs.)
Quando: lançamento dos dois livros
hoje, às 19h, no Espaço É Tudo Verdade
(r. Augusta, 2.690, 3º andar, SP)
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